Texto de Sara do Vale. Mãe, artista, doula e ativista pelos direitos da mulher.
A água tem sido desde tempos imemoriais associada às emoções. E talvez por ser tão variada, conforme a estação do ano ou o ambiente que a rodeia (se este é acidentado ou liso, profundo ou rasteiro, a direito ou sinuoso) a água é muitas vezes comparada às mulheres.
Cíclica, sensível, adaptável, preciosa, geradora da Vida. Na mitologia antiga dos países mais diversos, em muitas civilizações que não sabiam umas das outras, as divindades que representavam a água eram muitas vezes femininas.
Chalchiuhtlicue deusa azteca das águas; Eingana na mitologia aborígena da Austrália, a Mãe de Todos; Acionma (Gaulish) divindade celta; Tefnut no Egipto; Namaka do Hawaii; Ganga da Índia; Vedenemo da Finlândia; Anahita da Pérsia; Ashrah da Mesoptâmia, e Iemanjá do Brasil… entre tantas outras.
Por vezes esta “Mulher Água” é calma e introvertida como um lago solitário, outras é revoltada e agitada como um oceano na tempestade.
Clarissa Pinkola Estés no seu livro “Mulheres que correm com os Lobos”, compara a Água à criatividade feminina. Não apenas no ponto de vista da criação artística mas na Criatividade, na capacidade de Criar que pode habitar todas as partes da nossa vida. Pode ser expressa no criar de um filho, nas tarefas que nos dão prazer, na alegria de ter um tempo só para nós, na força de apoiarmos uma causa que nos é querida.
“O rio da Mulher Selvagem alimenta-nos e faz com que nos tornemos seres semelhantes a ela: a que dá vida. Produzimos rebentos, florescemos, dividimo-nos, multiplicamo-nos, impregnamos, incubamos, comunicamos e transmitimos. Já que a Mulher Selvagem é Rio Abajo Rio, o rio por baixo do rio, quando ela corre dentro de nós, nós corremos. Se a abertura dela até nós for bloqueada, nós ficamos bloqueadas. Passamos então a ser como um rio que morre. Isso não é uma coisa ínfima a ser ignorada. A perda do nítido fluxo criador constitui uma crise psicológica e espiritual".
Que mensagem passa a nossa Cultura, quando nega a todas as mulheres sem excepção, a possibilidade de poder parir de forma natural, apoiada, gratuita, na água? Um método que protege de intervenções desnecessárias e que coloca a mulher no centro do acontecimento, (literalmente! já viram o espaço que ocupa uma piscina de partos?). Um método que permite um espaço onde só está a mulher, o seu bebé que está a nascer, e o seu parceiro. Onde mais ninguém pode entrar. Podem ajudar, podem assistir, podem maravilhar-se na presença de algo precioso que decorre diante dos seus olhos, mas naquela “bolha”, naquele vórtex de criação, naquele momento só está ela, a Mulher, e a sua pequena família.
Que mensagem passa esta cultura que prefere decidir sobre o que é feito ao corpo das mulheres, a ouvir o que estas estão a comunicar, quando sabem daquilo que precisam? O que eu ouço é: “O que tu sentes e queres não importa. Quem manda sou eu e não há nada que possas fazer em relação a isso”.
Para mim, a questão do Parto na água é um símbolo por excelência do triunfar da natureza selvagem das mulheres. O Parto, é a questão feminina e feminista por excelência. Porque toda a discriminação sofrida nos outros campos pelo Feminino, provém desta nossa capacidade de gerar e parir. E se nesse ponto não há respeito, então não o teremos em mais área nenhuma da vida.
Mas alegremo-nos. A água é silênciosa e delicada, mas também fugidia. E corre, escorre e não se consegue parar o seu curso. Ela arranja sempre forma de jorrar, encontra algures uma brecha, um buraquinho e quando contida durante tempo demais, rebenta com a barragem.
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Texto disponível em: maesdagua.org.
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