A cesariana é o exemplo por
excelência de uma tecnologia médica concebida inicialmente para o benefício de
mães e bebês, e que agora é convertido em uma arma de dominação sobre o corpo
das mulheres.
Até a Segunda Guerra Mundial,
os médicos poderiam fazer a pergunta assustadora “devemos salvar a mulher ou a
criança?” Para um desfecho fatal de um parto. De acordo com a resposta ou o
feto era retirado do útero da mulher em pedaços ou a mulher era aberta para a
retirada do bebê, que geralmente ocasionava a morte da mulher seguindo as
infecções consecutivas à operação. A descoberta da penicilina marca o pontapé
inicial de uma melhoria considerável da intervenção. Desde o pós-guerra, o uso
de antibióticos, o progresso relacionado à transfusão de sangue e a otimização
de técnicas de anestesia cesariana impulsiona os tratamentos cirúrgicos quase
banais.
Embora a cesariana seja
agora uma operação relativamente segura, não é inteiramente livre de perigos.
Na verdade, ela triplica o risco de morte em comparação com um parto normal, e
aumenta a probabilidade de infertilidade. Ela também pode provocar hematomas,
infecções do trato urinário, danos aos órgãos e tecidos circundantes. Em casos
raros, hemorragia grave, problemas de cicatrização e infecções graves que
necessitam de reoperação. De uma maneira sorrateira, muitas mulheres têm de
lidar com as consequências psicológicas, tais como um sentimento de fracasso, o
luto por um parto idealizado, perda de confiança nas habilidades de seu corpo
ou até mesmo depressão como ocorre frequentemente no caso de outras operações. Os
dias seguintes ao nascimento trazem a sua quota de trauma adicional porque,
além de sofrer a dor e pós-operatório, as jovens mães estão confinadas numa
impotência e dependência daqueles que estão ao redor no momento da chegada de
um recém-nascido que também exige um reajuste completo da organização da vida.
Elas têm de suportar a humilhação de pedir ajuda para as suas necessidades mais
básicas e, para piorar a situação, são impossibilitadas de segurarem o bebê em
seus braços e assegurar livremente os primeiros passos da maternagem. Tudo isso
sob a ambivalência das mulheres a respeito da sua cicatriz que marca seu ventre
para o resto da vida.
Tendo em conta estas
consequências, seria prudente que a cesariana fosse reservada apenas para casos
em que a vida ou a saúde da mulher ou do bebê está em perigo real.
Infelizmente, estes últimos trinta anos têm visto uma explosão deste tipo de
parto. Atualmente, no Brasil 85% das mulheres (da rede privada) dão à luz desta
forma, enquanto a Organização Mundial de Saúde estima que a taxa de cesarianas
superior a 15% significa não somente que cesarianas não justificadas são
praticadas, mas que essa percentagem significativa tem um impacto deletério
sobre a saúde das mulheres. Um estudo em 2014 cobrindo 19 países ocidentais, conclui
que mesmo a uma taxa de 10% de cesarianas, nenhuma melhoria é demonstrada no
nível de mortalidade neonatal. Em outras palavras, uma a cada duas cesarianas é
desnecessária.
Se a relação benefício/risco
desta técnica não é óbvia para mulheres saudáveis, as vantagens são bastante claras
para os médicos. Muitos obstetras são cirurgiões que em sua maioria nunca
participaram de nenhum parto natural, além de terem uma propensão mais nítida
para o manuseio do bisturi do que para o apoio emocional de uma mulher
parturiente durante longas horas de trabalho.
Além disso, situações mais
delicadas de parto, como um bebê em posição pélvica, por exemplo, não fazem
mais parte do currículo de centenas de estudantes de medicina, como a cesariana
é apresentada como uma panaceia em detrimento da liberdade de escolha para as
mulheres na maneira de dar à luz a seu filho. Os médicos, portanto, praticam
essa técnica porque eles não sabem fazer
de outra maneira, assim seguem perpetuando a ignorância favorecendo a perda, ao
longo do tempo, de um conhecimento que ainda existe e há quem o queria
praticar.
A culpa é sempre da mulher.
É claro que os praticantes
raramente apresentam os seus próprios interesses, preferências e limitações
para oferecer uma cesariana, preferindo concentrar-se nas falhas reais ou
imaginárias das mulheres.
A maneira mais fácil para
alguns ginecologistas alcançar seus objetivos, inclusive financeiros, é impor uma
cesariana a uma mulher é quando ela já se submeteu a uma cesariana
anteriormente. Apesar das recomendações da OMS recordando que um útero
cicatrizado mesmo depois de duas cesarianas, não é em si uma indicação
contra-parto vaginal, ainda existem médicos seguidores do dogma "uma vez
cesárea, sempre cesárea."
A cesárea também é muito
benéfica tanto financeiramente como em termos de organização do serviço. Uma
cesariana fornece muito mais dinheiro para uma instituição hospitalar do que um
parto normal, que pode inclusive dependendo do trabalho de parto da mulher
ocupar por muitas horas uma sala que poderá servir a várias cirurgias em um
único dia.
Outra forma de empurrar uma
mulher para uma cesariana é culpá-la por ter a pélvis muito estreita em relação
ao tamanho do bebê. O fato é que é tecnicamente impossível saber se o bebê não
vai passar antes que o trabalho de parto tenha começado e a dilatação esteja
completa. Ou seja, só é possível diagnosticar um caso real de desproporção
entre cabeça do bebê e pelve da mãe, no final do trabalho de parto. E, mesmo
que se encaminhe para a cesárea, mãe e bebê tiveram muitos ganhos, do ponto de
vista hormonal e psíquico, por terem passado pelo trabalho de parto. Devemos
ainda acrescentar que em sua grande ignorância da fisiologia, muitos obstetras
nem sequer sabem que a bacia não é um osso rígido formado em uma única peça,
mas consiste em várias partes unidas por ligamentos, que pode variar de acordo
com as posições assumidas pela mãe e sob o efeito da passagem do bebê. Assim,
muitos médicos desapoderam de uma mulher o simples fato de que em trabalho de
parto a posição de quatro permite que a pelve se expanda o suficiente para
facilitar o expulsivo e impedir a possibilidade de distócia de ombro. Como os
médicos preferem ver as mulheres deitadas e imóveis, eles preferem escolher
cortar suas barrigas em caso de suspeita de complicações, em vez de
permitir-lhes colocar seu filho ao mundo em uma posição mais adequada.
É comum ver vários médicos
ofendidos, alegando que realizam cesarianas por escolha e pedido da própria
mulher e que eles são vítimas dessas divas frívolas que reivindicam essa
técnica por puro conforto. Em primeiro lugar, mesmo sabendo que a noção de
bem-estar é muito pessoal, eu confesso ter alguma dificuldade em compreender como
ter sido cortada em 10 centímetros todas as camadas de pele, músculos
abdominais e útero possa trazer algum conforto. Em seguida, os estudos revelam
que apenas uma pequena minoria de mulheres, estimada entre 0,3 e 14% desejam uma
cesariana. Muitas razões pessoais e sociais são dadas para este pedido,
incluindo, muitas vezes o medo do parto. Ao invés de ouvir essas preocupações e
trabalhá-las com as pacientes, muitos obstetras se trancam em suas próprias
ansiedades, preferem varrer o questionamento das mães e chamar para a faca.
É, portanto, lamentável que
num momento em que todos os outros campos cirúrgicos são marcados por um desejo
de limitar os cortes no corpo, incluindo o uso de micro-câmeras e robótica finas,
um ato tão natural e milenar como o parto continua a ser trocado por um ato
cirúrgico cheio de métodos invasivos e mutilantes que datam do século passado.
________________________________
Fontes:
- Valéria Perasso. 'Epidemia'de cesáreas: por que tantas mulheres no mundo optam pela cirurgia? Jornal BBC Brasil, julho 2015.
- Bruner JP, Drummond SB, Meenan AL, Gaskin IM, «
All-fours maneuver for reducing shoulder dystocia during labor. », The Journal
of Reproductive Medecine, mai 1998. 43(5):439-43.
- Ana Claudia Amorim. Conheçaos riscos de uma cesariana desnecessária. Blog da saúde, ministério da saúde.
Fevereiro 2015.
- McCourt C., Weaver J., Statham H., Beake S., Gamble
J., Creedy DK., « Elective cesarean section and decision making: a criticalreview of the literature. », Birth, mars 2007. 34(1):65-79.
- Melania Amorim. Estudando acesárea desnecessária: resultados do Global Survey (OMS). Blog Estuda, Melania,
estuda, novembro 2012.
Até a Segunda Guerra Mundial, os médicos poderiam fazer a pergunta assustadora “devemos salvar a mulher ou a criança?” Para um desfecho fatal de um parto. De acordo com a resposta ou o feto era retirado do útero da mulher em pedaços ou a mulher era aberta para a retirada do bebê, que geralmente ocasionava a morte da mulher seguindo as infecções consecutivas à operação. A descoberta da penicilina marca o pontapé inicial de uma melhoria considerável da intervenção. Desde o pós-guerra, o uso de antibióticos, o progresso relacionado à transfusão de sangue e a otimização de técnicas de anestesia cesariana impulsiona os tratamentos cirúrgicos quase banais.
Embora a cesariana seja agora uma operação relativamente segura, não é inteiramente livre de perigos. Na verdade, ela triplica o risco de morte em comparação com um parto normal, e aumenta a probabilidade de infertilidade. Ela também pode provocar hematomas, infecções do trato urinário, danos aos órgãos e tecidos circundantes. Em casos raros, hemorragia grave, problemas de cicatrização e infecções graves que necessitam de reoperação. De uma maneira sorrateira, muitas mulheres têm de lidar com as consequências psicológicas, tais como um sentimento de fracasso, o luto por um parto idealizado, perda de confiança nas habilidades de seu corpo ou até mesmo depressão como ocorre frequentemente no caso de outras operações. Os dias seguintes ao nascimento trazem a sua quota de trauma adicional porque, além de sofrer a dor e pós-operatório, as jovens mães estão confinadas numa impotência e dependência daqueles que estão ao redor no momento da chegada de um recém-nascido que também exige um reajuste completo da organização da vida. Elas têm de suportar a humilhação de pedir ajuda para as suas necessidades mais básicas e, para piorar a situação, são impossibilitadas de segurarem o bebê em seus braços e assegurar livremente os primeiros passos da maternagem. Tudo isso sob a ambivalência das mulheres a respeito da sua cicatriz que marca seu ventre para o resto da vida.
Tendo em conta estas consequências, seria prudente que a cesariana fosse reservada apenas para casos em que a vida ou a saúde da mulher ou do bebê está em perigo real. Infelizmente, estes últimos trinta anos têm visto uma explosão deste tipo de parto. Atualmente, no Brasil 85% das mulheres (da rede privada) dão à luz desta forma, enquanto a Organização Mundial de Saúde estima que a taxa de cesarianas superior a 15% significa não somente que cesarianas não justificadas são praticadas, mas que essa percentagem significativa tem um impacto deletério sobre a saúde das mulheres. Um estudo em 2014 cobrindo 19 países ocidentais, conclui que mesmo a uma taxa de 10% de cesarianas, nenhuma melhoria é demonstrada no nível de mortalidade neonatal. Em outras palavras, uma a cada duas cesarianas é desnecessária.
Se a relação benefício/risco desta técnica não é óbvia para mulheres saudáveis, as vantagens são bastante claras para os médicos. Muitos obstetras são cirurgiões que em sua maioria nunca participaram de nenhum parto natural, além de terem uma propensão mais nítida para o manuseio do bisturi do que para o apoio emocional de uma mulher parturiente durante longas horas de trabalho.
Além disso, situações mais delicadas de parto, como um bebê em posição pélvica, por exemplo, não fazem mais parte do currículo de centenas de estudantes de medicina, como a cesariana é apresentada como uma panaceia em detrimento da liberdade de escolha para as mulheres na maneira de dar à luz a seu filho. Os médicos, portanto, praticam essa técnica porque eles não sabem fazer de outra maneira, assim seguem perpetuando a ignorância favorecendo a perda, ao longo do tempo, de um conhecimento que ainda existe e há quem o queria praticar.
A culpa é sempre da mulher.
É claro que os praticantes raramente apresentam os seus próprios interesses, preferências e limitações para oferecer uma cesariana, preferindo concentrar-se nas falhas reais ou imaginárias das mulheres.
A maneira mais fácil para alguns ginecologistas alcançar seus objetivos, inclusive financeiros, é impor uma cesariana a uma mulher é quando ela já se submeteu a uma cesariana anteriormente. Apesar das recomendações da OMS recordando que um útero cicatrizado mesmo depois de duas cesarianas, não é em si uma indicação contra-parto vaginal, ainda existem médicos seguidores do dogma "uma vez cesárea, sempre cesárea."
A cesárea também é muito benéfica tanto financeiramente como em termos de organização do serviço. Uma cesariana fornece muito mais dinheiro para uma instituição hospitalar do que um parto normal, que pode inclusive dependendo do trabalho de parto da mulher ocupar por muitas horas uma sala que poderá servir a várias cirurgias em um único dia.
Outra forma de empurrar uma mulher para uma cesariana é culpá-la por ter a pélvis muito estreita em relação ao tamanho do bebê. O fato é que é tecnicamente impossível saber se o bebê não vai passar antes que o trabalho de parto tenha começado e a dilatação esteja completa. Ou seja, só é possível diagnosticar um caso real de desproporção entre cabeça do bebê e pelve da mãe, no final do trabalho de parto. E, mesmo que se encaminhe para a cesárea, mãe e bebê tiveram muitos ganhos, do ponto de vista hormonal e psíquico, por terem passado pelo trabalho de parto. Devemos ainda acrescentar que em sua grande ignorância da fisiologia, muitos obstetras nem sequer sabem que a bacia não é um osso rígido formado em uma única peça, mas consiste em várias partes unidas por ligamentos, que pode variar de acordo com as posições assumidas pela mãe e sob o efeito da passagem do bebê. Assim, muitos médicos desapoderam de uma mulher o simples fato de que em trabalho de parto a posição de quatro permite que a pelve se expanda o suficiente para facilitar o expulsivo e impedir a possibilidade de distócia de ombro. Como os médicos preferem ver as mulheres deitadas e imóveis, eles preferem escolher cortar suas barrigas em caso de suspeita de complicações, em vez de permitir-lhes colocar seu filho ao mundo em uma posição mais adequada.
É comum ver vários médicos ofendidos, alegando que realizam cesarianas por escolha e pedido da própria mulher e que eles são vítimas dessas divas frívolas que reivindicam essa técnica por puro conforto. Em primeiro lugar, mesmo sabendo que a noção de bem-estar é muito pessoal, eu confesso ter alguma dificuldade em compreender como ter sido cortada em 10 centímetros todas as camadas de pele, músculos abdominais e útero possa trazer algum conforto. Em seguida, os estudos revelam que apenas uma pequena minoria de mulheres, estimada entre 0,3 e 14% desejam uma cesariana. Muitas razões pessoais e sociais são dadas para este pedido, incluindo, muitas vezes o medo do parto. Ao invés de ouvir essas preocupações e trabalhá-las com as pacientes, muitos obstetras se trancam em suas próprias ansiedades, preferem varrer o questionamento das mães e chamar para a faca.
É, portanto, lamentável que num momento em que todos os outros campos cirúrgicos são marcados por um desejo de limitar os cortes no corpo, incluindo o uso de micro-câmeras e robótica finas, um ato tão natural e milenar como o parto continua a ser trocado por um ato cirúrgico cheio de métodos invasivos e mutilantes que datam do século passado.
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Fontes:
- Valéria Perasso. 'Epidemia'de cesáreas: por que tantas mulheres no mundo optam pela cirurgia? Jornal BBC Brasil, julho 2015.
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