domingo, 10 de janeiro de 2016

Carta para minha amiga grávida!

Engraçado como que as vezes na vida tudo acontece em grandes blocos... No ano que antecedeu o meu casamento e o ano propriamente dito, eu fui a dezenas de casamentos, de amigos e familiares. E não é somente porque é a idade, sinto basicamente como uma coisa de atração, conexão. Claro, anos antes e os que seguirão, haverão também dezenas de outros. O que me intrigava eram pessoas próximas que, como numa grande onda de conexão, estavam a realizar um momento importante de suas vidas: a escolha de um parceiro para dividir a vida. 
E muito surpresa, um ano depois, um outro boom: várias mulheres grávidas. Dessa vez achei que era um baby boom no Brasil. Mas incrivelmente me dei conta de novo dessa sensação. No meio da minha gravidez me mudei para França e incrivelmente no meu novo trabalho éramos 4 grávidas, 2 que já estavam de licença maternidade, e ao retornar da minha licença mais 3 grávidas. Incrível não? E eu sentia uma enorme vontade de conversar com todas elas sobre todas as maravilhas e descobertas que passei e ainda passo desde o momento da minha gravidez. 
E então, hoje, compartilho com vocês, e principalmente para futuras mães, essa carta que diz simplesmente tudo que eu gostaria de dizer a cada mulher que gesta um ser!
Boa leitura!
Para minha amiga grávida,
Assim que soube que você estava grávida, fiquei feliz, mas, me despertou certa agonia. A primeira dúvida: você sabe que tem escolha? Sabe que não precisa fazer “o que todo mundo faz”? Agoniada com minhas dúvidas sobre o quanto você está informada sobre os temas gestação, parto e maternidade, comecei a questionar. Preciso entender o quanto está pronta para desaprender o que, de forma massiva nos ensinam, para, então, ouvir o que ninguém (ou quase ninguém) conta. Hoje me encontro neste delicado papel de ser a pessoa que quer revelar, mas, ao mesmo tempo, não quer invadir seu espaço, ou te desiludir neste momento mágico e sensível e, principalmente, não quer perder sua amizade. Você é importante para mim e este assunto também. Preciso encontrar um jeito de cuidar das duas coisas, por isso escrevo esta carta.
Seu parto
Ao menos que você lute, que se informe, que se prepare muito, internamente, e principalmente de forma prática, cercando-se da equipe certa, é difícil ter um parto legal. Você pode até ter um parto normal, daquele tipo em que fazem um monte de procedimentos desnecessários com você e seu bebê, como, por exemplo, corte do cordão umbilical antes de parar de pulsar e corte com bisturi no seu períneo (episiotomia). Entretanto, o mais provável mesmo é que você seja submetida à uma cirurgia que não queria. E por um tempo pode acreditar que esta era a melhor (e a única) forma segura do seu filho nascer. Mas também poderá se sentir frustrada, chateada e até traída.
Vínculo
Por que isso importa? A começar, porque o vínculo com seu bebê pode ser comprometido em função desta não-escolha que você fez, que fizeram por você, de ser cortada. Pior, seu bebê será incomodado e pode sentir-se abandonado se, na hora do nascimento, for tratado como são quase todos os que não tem um atendimento humanizado. Tratado como mais um. Segurado pelas pernas como frango, seus olhos sendo abertos a força para receber o inútil e ardido colírio na primeira hora de vida, seu corpo esfregado, aspirado, ensaboado e manipulado –  muito, muito mais do que ele precisa – e, pior, afastado de você. Sim, ele acabou de nascer, mas, ao menos que você planeje meticulosamente e se empodere de seu parto, ele não irá para os seus braços. Mesmo sendo óbvio que você é a mãe e que isso é tudo que vocês dois precisam, se for aqui no Brasil, o caminho mais comum do protocolo não leva a você. Infelizmente pode ser que ele conheça várias outras pessoas e ambientes antes de sentir seu cheiro e seu toque. Pessoas que ele poderia perfeitamente conhecer depois, ou mesmo nunca. E, acredite, pode até ser que ele seja alimentado, longe de você e sem seu consentimento. É estranho, é frio, é assim que acontece.
Outra forma de nascer
Então esta carta é para dizer que há sim uma outra forma de começar. Há uma gravidez em que é menos importante a decoração do quartinho, o modelo do carrinho ou o enxoval. Uma gravidez em que o foco é na sua ligação com o bebê, no olhar para dentro, na busca pela equipe humanizada e pela doula, no exercício de criar coragem para romper com o sistema. Uma gravidez em que nunca é cedo para conversar sobre o parto, em que o bebê não é grande demais e não fica pronto em quarenta semanas. Ele está pronto quando estiver e virá como quiser. Uma gravidez em que tudo flui bem, pois seu corpo foi feito para isso. A gestação em que você prepara menos a cabeça e mais o períneo. Que termina com você sentindo contrações, passando horas na partolândia, ficando na posição que tem vontade e, finalmente, seu bebê nascendo com você e através de você. Ah, sim, e o profissional de assistência ao parto está ali, próximo, sem quase nada fazer, a não ser, assistir. Nesta história o bebê vem imediatamente para o seu colo, e só sai quando você quiser. O pai participa ativamente do parto e do encontro com seu filho. Muitas vezes não há médicos, apenas parteiras e doulas. Não há remédios, ninguém é medicado, porque não temos doentes, apenas uma mãe e um bebê que acabaram de nascer. Você se levanta horas depois de parir e pode fazer o que bem quiser, está inteira e disposta. E, ao chegar em casa, confiante, saudável e caminhando, se sentirá segura para decidir como quer que seu bebê durma e o quanto quer ficar conectada com ele. Terá tranquilidade. Talvez não demore a perceber que amamentá-lo o tempo inteiro – ao contrário do que dizem – pode ser muito compensador e prazeroso. Aliás, o parto mesmo pode ser cheio de prazer, e é normalmente relatado pelas paridas (me incluo) como uma experiência maravilhosa, muito mais associada à superação e à descoberta do potencial feminino do que à dor ou ao sofrimento. Prazer em parir, em maternar, em amamentar, prazer em dizer “não, muito obrigada”, às soluções enlatadas do sistema. Muito prazer.
As trilhas
Ufa! Acho que era isso que eu queria te contar. Há escolhas e há algumas trilhas para atravessar o portal da maternidade. Como mãe e amiga, estou aqui, do outro lado, a te esperar, e ficarei muito feliz se te vir chegando pela trilha do prazer, da maternidade do aconchego, do vínculo, do instinto, da mulher que permite que sua natureza feminina aflore. Se, no entanto,  você vier pela outra trilha, aquela com corte e cicatriz, mais longa, mais tortuosa, ainda assim, te espero por aqui, seja bem-vinda, futura mãe. Que bom que você está chegando! Fique tranquila, você não está sozinha. Conte comigo.

Essa carta foi escrita por Camila Goytacaz e está também disponível aqui.
Se você deseja saber mais sobre a trilha de gestar, parir e maternar, além de se apoiar em seu coração, você pode nos contactar a partir desse site ou nos enviando e-mail para: depoisquepari@gmail.com 
Aqui você encontrará uma escuta empática, sem julgamentos e baseada nos ensinamentos da comunicação não-violenta.

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