É
muito recorrente quando uma mulher fala sobre seu parto, ela mencione apenas
alguns fatos específicos, de acordo com um esquema padronizado, de preferência
na neutralidade da linguagem médica. Em uma reunião de família ou entre
amigos, o que se ouve é o tipo de parto vivenciado (vaginal ou cesariana), só
falam de dor de preferência através do prisma da peridural, e limitando-se a
mencionar as horas de trabalho. É, no entanto, praticamente inaceitável
para uma mulher listar os furos e injeções sofridas em sua pele, pontos levados
ou detalhar o número de dedos e objetos que foram introduzidas em sua vagina, e
tudo isso por uma questão de pudor. Para o parto, a comitiva médica se
detém educadamente a elementos factuais e não colocam em debate questões que
deveriam ser discutidas com a futura mãe, lançando um véu sobre toda lesão
corporal sofrida pela jovem mãe, desde que, seja qual for o sofrimento
infligido essa mãe só tem direito de estar feliz tendo em vista
que seu bebê está saudável.
E quando
a mais corajosa delas confronta e questiona os procedimentos médicos impostos e
diferentes formas de desumanização, é muito provável que os seus mediadores
reajam minimizando a atitude, apoiando a justificação ou até mesmo agressão, a
fim de resgatar a importância dos profissionais, e lembrando como elas são
ignorantes e não sabem nada sobre os perigos dos quais acabaram de serem
salvas. Na nossa sociedade, parto é visto como uma atividade muito
perigosa. Aceita-se que os médicos recebam amplos poderes sobre os corpos
das mulheres e a mais absoluta carta branca para qualquer coisa que eles
impõem. Evocar o que realmente acontece atrás da porta fechada da sala de
parto vem, portanto, transgredir um tabu real.
Como
toda violência contra as mulheres, poderosos mecanismos de redução de silêncio
trabalham para silenciar as vítimas e manter um sistema de dominação masculina. Como
estupro, a denúncia da violência obstétrica levou a uma inversão de
responsabilidades, transformar a vítima em agressor e culpado em vítima.
Vergonha
e culpa são sentimentos que muitas mulheres sentem para expor a idéia de
ataques contra seus corpos e sexo, e constituem um primeiro obstáculo para
romper o silêncio.
Mal-entendidos
e negação do corpo medico é o segundo. Muitas pessoas não conseguem
imaginar como um médico, cuja missão é salvar vidas, possa se tornar um
agressor e submeter aos piores insultos uma mulher dando à luz. Assim como
é difícil conceber que um estupro é cometido por um colega exemplar, um amigo
dedicado, um homem de família atencioso ou um bom estudante ou pessoa de bem em
todos os aspectos, mesmo que estes representem a esmagadora maioria dos
estupradores.
O
que se segue é uma reação dos parentes em forma de justificação ou acusação,
buscando a concordar com o obstetra que é o único apto a julgar a necessidade
de tratamento, e cujas ações teriam sido o único remédio para o fracasso
da mulher no trabalho de parto. Se uma mulher é submetida a violência
obstétrica pelo médico é por causa de seus próprios defeitos e suas
deficiências. Em outras palavras, a culpa é dela. Da mesma forma que
um sobrevivente de estupro é visto como acusado por ter provocado o homem por
sua forma de vestir ou um comportamento inadequado.
Finalmente,
as pessoas a quem a mulher confessa a violência sofrida podem permanentemente
reduzi-la ao silêncio, censurando-lhe pela sua ingratidão para com o médico que
salvou a sua vida ou a de seu filho. E então de agressor, esse médico
se torna vítima de um paciente indigna e ingrata, que tem a audácia de
recusar-se a agradecer-lhe. No caso de estupro, o discurso toma proporções
semelhantes com objetivo de transformar em vítima um estuprador, ou, mais cruel
ainda, culpar a mulher por não ter apreciado as honras sexuais do agressor devido
seu corpo estar fora dos padrões sociais.
Se
o estupro é cada vez mais denunciado, o mesmo não pode-se dizer para a
violência obstétrica, o que torna esta última ainda mais difícil de ouvir. No
entanto, a extensão e variedade de abusos dos direitos humanos na maternidade
somente podem ser levados em conta se as mães começarem a falar de seus partos,
incluindo, por transgredir as regras de decência e modéstia que as prendem no silêncio. Os
depoimentos são, portanto, o caminho.
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