domingo, 2 de agosto de 2015

Violência obstétrica: é preciso mudar esse cenário!





É muito recorrente quando uma mulher fala sobre seu parto, ela mencione apenas alguns fatos específicos, de acordo com um esquema padronizado, de preferência na neutralidade da linguagem médica. Em uma reunião de família ou entre amigos, o que se ouve é o tipo de parto vivenciado (vaginal ou cesariana), só falam de dor de preferência através do prisma da peridural, e limitando-se a mencionar as horas de trabalho. É, no entanto, praticamente inaceitável para uma mulher listar os furos e injeções sofridas em sua pele, pontos levados ou detalhar o número de dedos e objetos que foram introduzidas em sua vagina, e tudo isso por uma questão de pudor. Para o parto, a comitiva médica se detém educadamente a elementos factuais e não colocam em debate questões que deveriam ser discutidas com a futura mãe, lançando um véu sobre toda lesão corporal sofrida pela jovem mãe, desde que, seja qual for o sofrimento infligido essa mãe  só tem direito de estar feliz tendo em vista que seu bebê está  saudável.

E quando a mais corajosa delas confronta e questiona os procedimentos médicos impostos e diferentes formas de desumanização, é muito provável que os seus mediadores reajam minimizando a atitude, apoiando a justificação ou até mesmo agressão, a fim de resgatar a importância dos profissionais, e lembrando como elas são ignorantes e não sabem nada sobre os perigos dos quais acabaram de serem salvas. Na nossa sociedade, parto é visto como uma atividade muito perigosa. Aceita-se que os médicos recebam amplos poderes sobre os corpos das mulheres e a mais absoluta carta branca para qualquer coisa que eles impõem. Evocar o que realmente acontece atrás da porta fechada da sala de parto vem, portanto, transgredir um tabu real. 

Como toda violência contra as mulheres, poderosos mecanismos de redução de silêncio trabalham para silenciar as vítimas e manter um sistema de dominação masculina. Como estupro, a denúncia da violência obstétrica levou a uma inversão de responsabilidades, transformar a vítima em agressor e culpado em vítima.
Vergonha e culpa são sentimentos que muitas mulheres sentem para expor a idéia de ataques contra seus corpos e sexo, e constituem um primeiro obstáculo para romper o silêncio.

Mal-entendidos e negação do corpo medico é o segundo. Muitas pessoas não conseguem imaginar como um médico, cuja missão é salvar vidas, possa se tornar um agressor e submeter aos piores insultos uma mulher dando à luz. Assim como é difícil conceber que um estupro é cometido por um colega exemplar, um amigo dedicado, um homem de família atencioso ou um bom estudante ou pessoa de bem em todos os aspectos, mesmo que estes representem a esmagadora maioria dos estupradores.

O que se segue é uma reação dos parentes em forma de justificação ou acusação, buscando a concordar com o obstetra que é o único apto a julgar a necessidade de tratamento, e cujas ações teriam sido o único remédio para o fracasso da mulher no trabalho de parto. Se uma mulher é submetida a violência obstétrica pelo médico é por causa de seus próprios defeitos e suas deficiências. Em outras palavras, a culpa é dela. Da mesma forma que um sobrevivente de estupro é visto como acusado por ter provocado o homem por sua forma de vestir ou um comportamento inadequado.

Finalmente, as pessoas a quem a mulher confessa a violência sofrida podem permanentemente reduzi-la ao silêncio, censurando-lhe pela sua ingratidão para com o médico que salvou a sua vida ou a de seu filho. E então de agressor, esse médico  se torna vítima de um paciente indigna e ingrata, que tem a audácia de recusar-se a agradecer-lhe. No caso de estupro, o discurso toma proporções semelhantes com objetivo de transformar em vítima um estuprador, ou, mais cruel ainda, culpar a mulher por não ter apreciado as honras sexuais do agressor devido seu corpo estar fora dos padrões sociais.

Se o estupro é cada vez mais denunciado, o mesmo não pode-se dizer para a violência obstétrica, o que torna esta última ainda mais difícil de ouvir. No entanto, a extensão e variedade de abusos dos direitos humanos na maternidade somente podem ser levados em conta se as mães começarem a falar de seus partos, incluindo, por transgredir as regras de decência e modéstia que as prendem no silêncio. Os depoimentos são, portanto, o caminho.




Nenhum comentário:

Postar um comentário