Nessa
Semana Mundial da Amamentação, trazemos uma série de textos
escritos pelo pediatra Daniel Becker, médico pediatra com
experiência de 20 anos de consultório privado no Rio de Janeiro.
Formado pela Universidade Federal de Rio de Janeiro, especialista em
Homeopatia e mestre em Saúde Pública, na área de Promoção da
Saúde. Médico do Instituto de Pediatria da UFRJ.
Voce
pode ter acesso a ele a partir de seu site
www.pediatriaintegral.com.br
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Capítulo II da saga:
importante para você entender a relação da indústria com a
medicina, e como isso faz dos médicos uma causa importante de
desmame precoce no Brasil.
Amamentação
no Século XXI
A
Rendição dos Médicos
No
final do último capitulo, contamos como as empresas fabricantes de
leite em pó mudaram suas estratégias: em vez de vender formulas
para as mães, venderiam para os pediatras.
(Um
adendo ao texto, hoje: as empresas de leite em pó fazem SIM
propaganda ao consumidor, velada sob a forma como elaboram suas
embalagens e em especial os nomes utilizados: Pro, Expert, Premium, e
Supreme. Enquanto isso, o leite materno não é "supreme"
nem "pro" - é amador. Vem com muito amor e é
infinitamente superior às fórmulas em qualquer aspecto.)
A
idéia era conquistar a simpatia desses profissionais com tanta
autoridade no que se refere à saúde da criança, e capazes de
recomendar as suas fórmulas mesmo diante das evidências crescentes
de que o leite materno era o alimento ideal para o bebê.
A
Nestlé foi a mais agressiva nesta estratégia. Em nosso pais, ela
conseguiu dominar inteiramente a Sociedade Brasileira de Pediatria. É
uma situação muito curiosa: o discurso da sociedade é fortemente
favorável ao leite materno, com recomendações de amamentação
exclusiva até os 6 meses, comitês e documentos, bandeiras pró
amamentação com a da licença de seis meses para as mulheres, etc.
Por outro lado, quase todos os documentos, manuais, avisos de
congresso, circulares, cursos de atualização, enfim, qualquer
publicação da SBP tem gravado o selo Nestlé. A maioria das
atividades da SBP tem o patrocínio da Nestlé. Mais publicações e
de aulas são realizadas sobre os melhores “substitutos do leite
materno”, do que as que ensinam como apoiar efetivamente uma mulher
que amamenta.
A
Nestlé oferece um curso anual de atualização em pediatria, em
parceria com a Sociedade, que é tão ou mais popular que os
principais congressos. Aqui no Pediatria Integral, fiz uma reportagem
sobre a impressionante infantilização dos pediatras nesta ocasião:
adultos participando de joguinhos infantis e competições de
perguntas sobre os produtos Nestlé para ganhar bichinhos de pelúcia
e sorvetes, consumindo biscoitos e leitinhos, e pior, comendo
papinhas de bebê servidas por chefs em travessas de prata. As cenas
eram patéticas – vocês podem conferir as fotos aqui no PI. A
grande mãe tratando bem seus bebês, e esperando em troca uma enorme
gratidão e reconhecimento.
Além
da Nestlé, outras empresas como a Danone, Mead Johnson e Abbot usam
o mesmo expediente. EM congressos, videos e cartazes promovem as
qualidades das fórmulas: melhor desenvolvimento psicomotor, saúde
gastro-intestinal, redução de alergias, prevenção da obesidade,
defesas imunológicas: exatamente as qualidades onde o leite materno
é muito superior - mas ele não é citado, fazendo com que o
pediatra associe, em sua memória, essas qualidades às fórmulas
anunciadas. Todas as empresas fazem visitas constantes aos
consultórios pediátricos oferecendo informações sobre seus muitos
tipos de leite e suas inúmeras vantagens uns sobre os outros, todos
tão “parecidos com o leite materno”. A amamentação é
obviamente ignorada nessas visitas que muitas vezes incluem
distribuição de brindes, convites para almoços em churrascarias e
mesmo ofertas de visitas às sedes no exterior ou viagens com
despesas pagas a congressos.
Essa
estratégia comercial segue o principio sócio-comportamental da
“reciprocidade”. Quando alguém lhe oferece presentes, graças e
gentilezas, você se sente em dívida com quem fez o gesto; cria-se
uma simpatia difícil de resistir. Devolver as gentilezas é quase
inevitável. É claro que este não é o único motivo, mas este é
certamente um dos fatores que explicam tantas prescrições de leite
em pó, mesmo ainda na maternidade. Uma estratégia cruel da
indústria, mas extremamente e inteligente eficaz para vender os seus
produtos e sabotar a amamentação. Da mesma forma que a imagem do
leite em pó como sendo “mais forte” minava a confiança das
mulheres em seu leite, também a prescrição apressada ou descuidada
de complementos (“se você achar que tem pouco leite”, “se ela
estiver com muita fome”… “uma mamadeira caso você precise”…)
é um fator claro e freqüente para que a mulher deixe de amamentar.
Se em vez da mamadeira de leite artificial que mina a confiança da
mulher, oferecermos informação, apoio e o carinho e técnica de
instituições e profissionais especializados no apoio à
amamentação, o quadro certamente será outro.
Portanto
vemos aqui, de saída, duas razões importantes para a dificuldade de
amamentar percebida por tantas mulheres: a cultura do leite em pó,
que persiste até hoje, nos fazendo duvidar da qualidade e da força
do leite materno como suficiente para alimentar um bebê; e a
facilidade com que alguns pediatras prescrevem o leite em pó, antes
mesmo de surgir qualquer problema na mãe ou no bebê.
Há
ainda um terceiro problema, ainda no terreno da medicina – ou,
melhor dizendo, da má medicina. Veremos isso no próximo capítulo.
Acesso também pelo link https://www.facebook.com/pediatriaintegral/posts/876203385804054
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