terça-feira, 4 de agosto de 2015

Semana Mundial da Amamentação 2015 - Capítulo II


Nessa Semana Mundial da Amamentação, trazemos uma série de textos escritos pelo pediatra Daniel Becker, médico pediatra com experiência de 20 anos de consultório privado no Rio de Janeiro. Formado pela Universidade Federal de Rio de Janeiro, especialista em Homeopatia e mestre em Saúde Pública, na área de Promoção da Saúde. Médico do Instituto de Pediatria da UFRJ. 
Voce pode ter acesso a ele a partir de seu site www.pediatriaintegral.com.br 

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Capítulo II da saga: importante para você entender a relação da indústria com a medicina, e como isso faz dos médicos uma causa importante de desmame precoce no Brasil.

Amamentação no Século XXI
A Rendição dos Médicos
No final do último capitulo, contamos como as empresas fabricantes de leite em pó mudaram suas estratégias: em vez de vender formulas para as mães, venderiam para os pediatras.
(Um adendo ao texto, hoje: as empresas de leite em pó fazem SIM propaganda ao consumidor, velada sob a forma como elaboram suas embalagens e em especial os nomes utilizados: Pro, Expert, Premium, e Supreme. Enquanto isso, o leite materno não é "supreme" nem "pro" - é amador. Vem com muito amor e é infinitamente superior às fórmulas em qualquer aspecto.)
A idéia era conquistar a simpatia desses profissionais com tanta autoridade no que se refere à saúde da criança, e capazes de recomendar as suas fórmulas mesmo diante das evidências crescentes de que o leite materno era o alimento ideal para o bebê.

A Nestlé foi a mais agressiva nesta estratégia. Em nosso pais, ela conseguiu dominar inteiramente a Sociedade Brasileira de Pediatria. É uma situação muito curiosa: o discurso da sociedade é fortemente favorável ao leite materno, com recomendações de amamentação exclusiva até os 6 meses, comitês e documentos, bandeiras pró amamentação com a da licença de seis meses para as mulheres, etc. Por outro lado, quase todos os documentos, manuais, avisos de congresso, circulares, cursos de atualização, enfim, qualquer publicação da SBP tem gravado o selo Nestlé. A maioria das atividades da SBP tem o patrocínio da Nestlé. Mais publicações e de aulas são realizadas sobre os melhores “substitutos do leite materno”, do que as que ensinam como apoiar efetivamente uma mulher que amamenta.
A Nestlé oferece um curso anual de atualização em pediatria, em parceria com a Sociedade, que é tão ou mais popular que os principais congressos. Aqui no Pediatria Integral, fiz uma reportagem sobre a impressionante infantilização dos pediatras nesta ocasião: adultos participando de joguinhos infantis e competições de perguntas sobre os produtos Nestlé para ganhar bichinhos de pelúcia e sorvetes, consumindo biscoitos e leitinhos, e pior, comendo papinhas de bebê servidas por chefs em travessas de prata. As cenas eram patéticas – vocês podem conferir as fotos aqui no PI. A grande mãe tratando bem seus bebês, e esperando em troca uma enorme gratidão e reconhecimento.

Além da Nestlé, outras empresas como a Danone, Mead Johnson e Abbot usam o mesmo expediente. EM congressos, videos e cartazes promovem as qualidades das fórmulas: melhor desenvolvimento psicomotor, saúde gastro-intestinal, redução de alergias, prevenção da obesidade, defesas imunológicas: exatamente as qualidades onde o leite materno é muito superior - mas ele não é citado, fazendo com que o pediatra associe, em sua memória, essas qualidades às fórmulas anunciadas. Todas as empresas fazem visitas constantes aos consultórios pediátricos oferecendo informações sobre seus muitos tipos de leite e suas inúmeras vantagens uns sobre os outros, todos tão “parecidos com o leite materno”. A amamentação é obviamente ignorada nessas visitas que muitas vezes incluem distribuição de brindes, convites para almoços em churrascarias e mesmo ofertas de visitas às sedes no exterior ou viagens com despesas pagas a congressos.
Essa estratégia comercial segue o principio sócio-comportamental da “reciprocidade”. Quando alguém lhe oferece presentes, graças e gentilezas, você se sente em dívida com quem fez o gesto; cria-se uma simpatia difícil de resistir. Devolver as gentilezas é quase inevitável. É claro que este não é o único motivo, mas este é certamente um dos fatores que explicam tantas prescrições de leite em pó, mesmo ainda na maternidade. Uma estratégia cruel da indústria, mas extremamente e inteligente eficaz para vender os seus produtos e sabotar a amamentação. Da mesma forma que a imagem do leite em pó como sendo “mais forte” minava a confiança das mulheres em seu leite, também a prescrição apressada ou descuidada de complementos (“se você achar que tem pouco leite”, “se ela estiver com muita fome”… “uma mamadeira caso você precise”…) é um fator claro e freqüente para que a mulher deixe de amamentar. Se em vez da mamadeira de leite artificial que mina a confiança da mulher, oferecermos informação, apoio e o carinho e técnica de instituições e profissionais especializados no apoio à amamentação, o quadro certamente será outro.
Portanto vemos aqui, de saída, duas razões importantes para a dificuldade de amamentar percebida por tantas mulheres: a cultura do leite em pó, que persiste até hoje, nos fazendo duvidar da qualidade e da força do leite materno como suficiente para alimentar um bebê; e a facilidade com que alguns pediatras prescrevem o leite em pó, antes mesmo de surgir qualquer problema na mãe ou no bebê.
Há ainda um terceiro problema, ainda no terreno da medicina – ou, melhor dizendo, da má medicina. Veremos isso no próximo capítulo.

Acesso também pelo link https://www.facebook.com/pediatriaintegral/posts/876203385804054


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