Nessa
Semana Mundial da Amamentação, trazemos uma série de textos
escritos pelo pediatra Daniel Becker, médico pediatra com
experiência de 20 anos de consultório privado no Rio de Janeiro.
Formado pela Universidade Federal de Rio de Janeiro, especialista em
Homeopatia e mestre em Saúde Pública, na área de Promoção da
Saúde. Médico do Instituto de Pediatria da UFRJ.
Voce
poe ter acesso a ele a partir de seu site
www.pediatriaintegral.com.br
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Celebrando
a Semana Mundial da Amamentação, que começa hoje, vamos
republicar os textos que escrevi sobre o tema há exatamente dois
anos atrás. São cinco capítulos da "Saga", um por dia.
Amamentação
no Século XXI: a saga em cinco capítulos
29.07.2013
Inspirado
por novos estudos que demonstram a superioridade do leite materno e a
sua importância para a saúde do bebê e da mãe, e mesmo da
sociedade (o último, publicado na respeitada revista BMJ, demonstra
que amamentar facilita a ascensão social...!) – e por minha amiga
e parceira Chris Nicklas, que pilota um site sobre amamentação
(www.amamentareh.com.br),
vou publicar aqui um texto onde discuto porque amamentar se tornou
difícil para muitas mulheres, numa visão mais ampla e reflexiva que
a habitual. Uma conversa que vai desde os muitos fatores (muitos
deles “confidenciais”) que influenciam o desejo e a possibilidade
de amamentar, até os pequenos segredos que ajudam no dia a dia com o
bebê.
Amamentação
no Século XXI
Capitulo
I
O
Massacre das Mulheres
Amamentar:
tão natural, tão importante. Tão bom para o bebê, tão bom para a
mãe. E tão aparentemente simples.
E
todos/todas sabemos: não é. Olhamos para nosso filho, um bebê
pequeno e frágil, e uma angústia do tamanho do mundo desaba sobre
nossos ombros: vou ser capaz? Vou ter leite bastante para meu filho?
Ele vai sobreviver e crescer só mamando o seio, será?
E
por que é assim? Por que não é fácil e natural? Para entender
nossas dificuldades e angústias, é preciso – sempre, aliás –
ir além do nosso próprio casulo, nossa família e nosso tempo, e
ampliar o olhar para o contexto cultural e histórico em que estamos
inseridos. O tema é longo e complexo, por isso vamos escrever em
capítulos. Nesta era da internet, vamos ver quem consegue ir até o
final… O tema é também bacana e relevante, por isso talvez valha
a pena.
No
final do século 19 o aleitamento materno perdia prestígio entre a
burguesia. Era considerado uma prática de mulheres pobres. Continuou
em declínio nas primeiras décadas do século 20, quando começa a
comercialização do leite em pó adaptado para bebês. Sem dúvida,
na época, um grande avanço científico – a salvação para bebês
que não podiam ser amamentados por morte ou doença da mãe.
Mas
à medida que as vendas avançavam, a ganância da indústria
aumenta: ela percebe que o grande lucro virá quando todas as
crianças usarem suas fórmulas, não apenas as que precisavam por
algum motivo. E começa a construção da cultura do leite em pó:
disseminando a idéia de que o leite materno é fraco, ruim,
insuficiente para um bebê realmente forte e saudável (lembrem da
imagem do bebê gorducho, ícone de saúde na época). Bom mesmo era
o leite em pó para bebês, essa maravilha da ciência. No pós
guerra as vendas explodem e a geração baby-boomer (nascidos no
pós-guerra) dos EUA e outros países pouco conheceu o leite materno.
Nos anos 60, mais de 70% dos bebês americanos recebiam fórmulas,
graças a agressivas campanhas de distribuição de leite em pó nas
maternidades e ao contínuo esforço de propaganda para desacreditar
o leite materno. A maioria das mulheres desta geração acreditava
completa e acriticamente que o leite em pó era melhor que o materno.
Vejam
que estamos falando de uma modificação cultural tão profunda que
provoca a alteração de um comportamento biológico inato e tão
primário quanto alimentar seu próprio filho (algo que denomina
nossa classe científica: mamíferos). Uma incrível vitória dos
interesses da indústria e do capitalismo sobre a natureza.
A
partir dos anos 60 e do advento da pílula, o número de nascimentos
começa a cair nos países desenvolvidos e o movimento feminista
levanta a bandeira da autonomia e dos direitos da mulher –
inclusive o direito de amamentar seus filhos, de poder sustentá-los
sem a ajuda de leite de outros animais. As indústrias – Nestlé,
Mead Johnson e outras – partem para uma agressiva campanha de
vendas nos países em desenvolvimento, na época miseráveis em sua
maioria, com altas taxas de fertilidade. Distribuíam mamadeiras e
amostras de leite gratuitas em maternidades, sempre lembrando às
mães que leite materno não era “forte” o bastante.
Só
que, neste contexto social, as coisas eram um pouco diferentes.
Chegando em casa, os bebês sugavam as mamadeiras e começavam a
fazer a previsível “confusão de bico” – uma dificuldade de
sugar o seio quando se oferece mamadeira a um recém-nascido. Isso
era confundido com uma recusa do seio (confirmando que o leite
materno era ruim), e as mulheres ofereciam mais leite em pó. Só que
a segunda lata não era gratuita – custava caro, e a tendência era
diluir com mais água; e a água era suja e contaminada muitas vezes…
e desta forma estima-se que milhões de crianças tenham morrido de
diarréia e desnutrição. A Nestlé chegou a receber o apelido de
baby-killer dos movimentos sociais pró-amamentação.
A
partir da década de 70 começa a ressurgir o interesse na
amamentação – do movimento feminista à ciência médica, cada
vez mais se percebia o óbvio: o leite materno era o melhor alimento
para o bebê. As vantagens eram demonstradas maciçamente por
pesquisas. De início referiam-se à saúde na infância, mas depois
estudos de longo prazo demonstravam benefícios para a saúde
cardio-vascular, na prevenção do câncer, diabetes e obesidade,
além de grandes vantagens no bem estar das mães que amamentavam.
Organizações
da sociedade civil denunciam então as práticas perversas dos
fabricantes de leite; um boicote contra a Nestlé começa em 1977 e
se estende até hoje. A OMS cria em 1981 um código de
comercialização para o leite em pó, proibindo a propaganda direta
ao público, e exigindo que se colocasse um aviso nos produtos de que
o leite materno era o melhor alimento para o bebê; e que as fórmulas
deveriam ser prescritas apenas por profissionais de saúde.
As
empresas mudam então suas estratégias de marketing: em vez de
vender formulas para as mães, venderiam para os pediatras. A idéia
era conquistar a simpatia desses profissionais com tanta autoridade
no que se refere à saúde da criança, e capazes de recomendar as
suas fórmulas mesmo diante das evidências crescentes de que o leite
materno era o alimento ideal para o bebê.
Começa
então uma saga (também muito impressionante e vitoriosa) que vai
até nossos dias, e gera situações inacreditáveis, especialmente
no Brasil. Mas isso é assunto para o próximo capítulo.
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Acesso
também pelo link
https://www.facebook.com/pediatriaintegral/posts/875711402519919
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