quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Crianças e tablets! PERIGO




Em uma entrevista dada a André Barcinski a fonoaudióloga Maria Lúcia Novaes Menezes conta como está preocupada com um fenômeno que tem percebido nos últimos tempos: o aumento do número de crianças muito novas – de dois ou três anos – usando tablets.
Profissional com mais de 30 anos de experiência, a doutora tem atendido, em seu consultório no Rio de Janeiro, inúmeros casos em que os pais chegam a suspeitar que os filhos são autistas, sem perceber que o uso prolongado de tablets, joguinhos eletrônicos e celulares é que está dificultando o desenvolvimento da comunicação das crianças.

A senhora disse estar assustada com o número de pais que deixam filhos pequenos - crianças de dois ou três anos - usarem tablets. Isso tem aumentado nos últimos tempos? 
A cada ano percebe-se que aumenta o número de crianças com menos de três anos de idade fazendo uso de tablets. Podemos observar, nos shoppings, bebês com tablets pendurados nos carrinhos. Isso tem prejudicado o desenvolvimento da linguagem e, principalmente, da socialização.

Quais as consequências que a senhora tem percebido nas crianças?
Se considerarmos que, nos primeiros três anos de vida da criança o desenvolvimento da cognição social se dá através do desenvolvimento da intersubjetividade, ou seja, que as diferentes fases da interação da criança com seus pais e cuidadores se dão através de compartilhar experiências e do olhar da criança para o outro, a utilização do tablet impede estas ações.
O tablet, utilizado por longo tempo, retira do contexto da criança esse contato fundamental para a socialização, causando um prejuízo no desenvolvimento das habilidades humanas que dependem da socialização, do envolvimento com o outro, prejudicando o desenvolvimento da socialização e do aprendizado que depende de experiências com o mundo à sua volta.

A senhora mencionou que alguns pais a procuram para tratar de supostos problemas de comunicação das crianças, sem perceber que o uso do tablet é uma das principais razões para isso. 
O que tenho observado, principalmente no último ano de clínica, é que o uso do tablet e outros eletrônicos está cada vez mais tomando o lugar da interação entre as crianças e seus pais e o brincar no contexto familiar. Os pais passam muito tempo no trabalho, chegam em casa cansados e, quando os filhos querem assistir desenhos e joguinhos no tablet, eles liberam, em vez de tentar conversar ou brincar.
Como conseqüência, se a criança tem alguma dificuldade para adquirir a linguagem e a socialização, essa pouca comunicação com os pais poderá desencadear esse déficit. Talvez, em um contexto familiar onde fosse mais estimulado a se comunicar e brincar, essa dificuldade não aparecesse de forma tão acentuada. Essa hipótese surgiu da minha prática clínica, onde na entrevista com os pais eles relatam o uso de tablets, jogos no celular e DVD. Tem acontecido com freqüência que a observação dos pais da forma que interagimos e brincamos com a criança no set terapêutico e como, aos poucos, seu filho vai começando ou expandindo a sua comunicação e o interesse em brincar, eles mudam a dinâmica com seus filhos no contexto familiar, a comunicação verbal e social da criança começa a expandir, os pais ficam mais tranqüilos e mais próximos dos filhos, e a criança, tendo a companhia do pai ou da mãe, passa a se interessar mais pelos brinquedos e em brincar e diminui o interesse pelo tablet, DVDs e joguinhos nos celular.


A senhora mencionou casos em que os pais suspeitavam ter um filho autista, mas o problema da criança se resumia a uso prolongado de novas tecnologias. 
No ano de 2014 atendi crianças com idade em torno de dois anos, trazidas com queixa de comunicação social e desenvolvimento da fala, os pais suspeitando de autismo. Mas, ao mudar a dinâmica familiar, essas crianças apresentaram uma mudança muito grande na sua comunicação social e verbal.

O que os pais devem fazer para evitar problemas desse tipo, numa época em que os tablets estão em todos os lugares?
Sei que é difícil ir contra o sistema e penso que a criança deve ser cobrada pelos amiguinhos para ter e usar um tablet. O que talvez auxiliasse a romper com o hábito dos joguinhos eletrônicos e tablets seria restringir ao máximo possível o uso do tablet. Talvez a melhor forma de se conseguir é dando mais atenção ao filho através de conversas, do brincar, e utilizar mais jogos não eletrônicos e mais interativos.
Currículo de Maria Lúcia Novaes Menezes
Fonoaudióloga formada em 1984 pela Faculdades Integradas Estácio de Sá, mestre em Distúrbios da Comunicação, em 1993, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com cursos na New York University reconhecidos e creditados neste mestrado e doutora em Saúde da Criança e da Mulher pela Fundação Oswaldo Cruz (2003). Aposentada da FIOCRUZ em 2014, mas ainda permanecendo como orientadora do projeto de pesquisa do Ambulatório de Fonoaudiologia Especializado em Linguagem / AFEL. Atua como fonoaudióloga na clínica em avaliação e diagnóstico dos distúrbios da linguagem e orientação aos pais. Autora da escala de Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem, idealizado, padronizado e validado no Brasil para avaliar o desenvolvimento da linguagem da criança brasileira.
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Você pode ter acesso à entrevista também pelo link: http://entretenimento.r7.com/blogs/andre-barcinski/nao-e-autismo-e-ipad-20150107/

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Carta a uma jovem mãe recém-nascida




Este texto foi uma colaboração de Francine 33 anos, feminista e autora do blog de poesias www.conteirodaflor.blogspot.com
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São as primeiras horas você vai saber quem é, mas questionará todo o por que de sua existência até aqui. Vai olhar para trás, mas tente não fazê-lo. Vai olhar para frente e agora com demasiada fragilidade. O Olhar para frente vai fazê-la insegura, impotente. Quando olhar para os braços vai entender o motivo. O bebê em seu colo, esse será toda a razão certa e incerta da sua vida. Ele será outra pessoa e o único projeto que por mais que você planeje e acerte você nunca saberá exatamente o que vai ser. A certeza só daqui para frente é um amor incontrolável. Até ele fazer uma semana você vai esquecer o que é noite o que é dia vai descobrir que seu corpo tem uma força e é guiado pela lei natural dos sentimentos humanos. Vai entender o segredo o “super-poder” de ser mulher. Ele não tem os sentidos formados ainda e a única forma de comunicação com o mundo será através de você. E então você vai pensar. - Meu Deus! Vai ser assim para sempre! - Como vou abrir mão de tudo?! De mim?! Para o resto da vida ?! Você vai questionar o seu amor e vai se culpar por isso, mas não se preocupe, logo vai compreender que frágil foi aquela mulher que você conheceu até agora.
Começa um novo ato. Essa mulher é outra, que dói para aparecer, mas já está aí, essa mulher é a MÃE. Aquela mesmo. Aquela que você não deu muita importância às vezes quando era criança. E mesmo que seja duro de admitir, a sua mãe vai estar em você, mais do que esteve em toda a sua vida. E mesmo quando você for dormir dolorida, acordar cansada, tente relaxar e sorrir e pensar que faltam 3 dias para uma semana. Depois dessa semana o seu corpo ainda estará fraco, mas você já vai conseguir olhar para fora, sair até a calçada vai perceber que sim! Você vai poder sair de casa. E os mamilos vão começar a doer e você vai sentir mais “bebê” do que seu bebê e não tenha vergonha viu! Ligue para as suas amigas, conte para suas irmãs, para as tias, sua mãe. Bote para fora tudo, tudo o que sente. Porque quando você olhar para a carinha do seu bebê pense que ele não vai querer ver a mãe dele com carinha de triste e seu rosto é a única coisa que ele consegue enxergar nos primeiros dias. Se tiver entediada, sozinha angustiada ande pela casa com ele no colo e cante, converse, leia em voz alta, conte histórias. Você vai começar a encontrar a sua mulher e a mãe que seu filho vai ter, e vocês dois vão começar a se reconhecer.
Curta tudo, o cheiro de leite na roupa, o chuveirinho de xixi logo depois do banho, gorfadas ... Quando menos esperar já vai estar pós-graduada em lavar manchas de cocô de todos os tipos rsrs. E sempre, sempre que você achar que não vai aguentar sozinha que é demais, põe uma música que você gosta e dança com ele no colo só vocês dois e lembra que a sua mãe passou por isso, e a mãe dela e tantas outras mulheres e que antigamente elas não tinha nem com quem compartilhar, e que antigamente mulher não tinha o direito de pensar a respeito, se era mãe e pronto. Ah estou escrevendo e esqueci de te avisar, já passou um mês ! Os sentimentos ainda vão estar confusos, mas agora seu bebê é o mais lindo e você quer compartilhar. Vocês já vão ter seus próprios códigos, não force e não se in segure eles vão surgir naturalmente. Enfim dizem, que até ele completar três meses esse período é chamado pelos médicos de segunda fase da gravidez vocês ainda estarão muito conectados e aos poucos os espaços serão encontrados, vocês ainda serão um em corpos separados e o corpo e cabeça precisam desse tempo para entender, seu filho está no mundo é outro ser. È preciso lembrar o tempo todo, só que a mulher mais linda, mais sexy, inteligente, companheira, divertida, amiga, filha, irmã, essa mulher só vai estar guardadinha para voltar ainda mais amiga sexy, filha, irmã, inteligente, companheira, divertida agora com um tempero especial, mais, muito mais, corajosa. Carregando o segredo do amor mais perfeito que é dado ao ser humano. Que é como o calo nos dedos dos músicos. Um sacrifício necessário para compartilhar um amor maior. O segredo da dor para todo o amor que é ser mais uma mulher/mamãe.

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Eu encontrei a Fran virtualmente no mundo da maternidade e numa coincidência da vida descobrimos que temos uma mesma paixão: a Fran também é mãe de um Rudá ❤️

terça-feira, 11 de agosto de 2015

A verdade que toda recém-mãe precisa saber!




Eu adoraria ter ouvido a verdade, nada além da verdade! 
E eu quero que toda mulher que vai renascer como mãe saiba a verdade! Claro que nem todas as mulheres são iguais, nem todas vivem a gravidez e a maternidade da mesma forma, porque cada mulher, mãe é única e cada coração vive a sua maneira os acontecimentos da vida. Mas o que eu acho que todas essas mães precisam sim saber é que existe, além do lado feliz e alegre da maternidade, aquele cheirinho bom de bebê, aquela carinha de anjo, aquele amor incondicional do qual nos perguntamos diariamente se é possível existir, sim toda essa alegria também existe, mas coexiste com esse momento uma fase do puerpério hard, solitária e as vezes escura! E saibam que não, as mulheres não contam a verdade: é muito duro! A gente chora, desaba! Mas peraí, você acabou de ser mãe, você não tem o direito de compartilhar uma fraqueza dessas, você é mãe! Porque você é obrigada a amar o bebê, cuidar, zelar, estar profundamente grata porque tem um filho vivo e o resto não importa. O resto não existe. Ouviu? NÃO EXISTE! O resto, aquilo tudo que você sente de verdade, tem de estar escondido debaixo do tapete, escondido pela gratidão obrigatória ao universo. As novas mães poderiam abrir o jogo e dizer como é DIFÍCIL lidar com o novo membro da família, principalmente se é mãe de 1a viagem, muitas estarão se recuperando de uma cirurgia também - porque GRANDE parte das mulheres de classe média e com plano de saúde vai ter seu parto violado ou roubado - Mas aí sempre aparece uma outra, também mãe, que entende tudo! Definitivamente incapaz de expor um mínimo de empatia e admitir pro mundo que ela tb teve um período de cão; mas é melhor soltar:  "Nossa, mas minha filha dorme a noite toda desde que nasceu". Estou convencida de essas sim são as maiores vítimas do pós-parto, vítimas de todas as imposições sociais de mãe e mulher! Pode até ser que elas esconderam tão fundo tudo o que tiveram que passar sozinhas que hoje, na maior sinceridade, não se lembram mais! E penso: que triste para essa mulher e todas as outras que ela (mesmo sem intenção) tenta enganar.

O fato é que nós que estamos nesse barco e que não queremos esconder esse rio de sentimentos, nos questionamos o que há de errado conosco, qual nosso problema! Porque nos perdemos em tardes frias, solitárias e doloridas? 
E há bem pouco eu achei essa resposta, ou melhor, um caminho para cura interior do meu novo ser, da mulher que estou me transformando e descobrindo! Problema? Não, não há problema nenhum! Na verdade tudo isso que passamos é um montante emocional de vários acontecimentos físicos, químicos e biológicos. A ausência, os hormônios, a sociedade patriarcal e machista que subjuga nossos instintos e sobretudo a posição da mulher nela. Aí somam-se a isso a falta de apoio, segurança e autoestima. 


Quer um bom exemplo disso: a amamentação. Se a mulher não amamenta é julgada, se amamenta também o é. Quem está lá para apoiar e segurar as pontas para essa recém-mãe? Quem está lá para incentivá-la? 
De muitos e vários problemas que permeiam o puerpério não tive dificuldades físicas para amamentar, no entanto, esse era pra mim o momento mais solitário. Quantas vezes passava esse tempo sem sentir essa coisa que todos falam que é amamentar, simplesmente porque ainda não tinha encontrado a verdadeira interação com Rudá. Foi diferente do que imaginava. É cansativo. Tinha muitas dúvidas. O que eu ouvia era que o bebê deveria mamar e dormir 3 horas e eu deveria dormir nesse mesmo horário. Só que não foi bem assim! Me sentia no fim dum poço sem fundo. Contava durante o dia as horas para que meu companheiro chegasse do trabalho e pudesse me contar alguma novidade, pudesse me ouvir, ou simplesmente para o dia acabar... 
Por isso o meu desejo era poder entregar esse texto a cada mãe recém-nascida, dá-lhes um abraço longo, um olhar com carinho para que elas saibam que não estão sozinhas. Queria dizer muitas coisas, mas principalmente, que vai passar! Queria dizer pra que saiam de casa, não errem como eu e não se fechem, queridas! Saiam do quarto! Vão passear, vejam pessoas, saiam para caminhar com o bebê, coloque o bebê no sling! Peçam pros companheiros colocarem o bebê no sling! O Rudá passeava pelas escadas à noite com o papai (contei isso aqui). Em pouco tempo você vai se conectar e entender o bebê... E se ler o meu maior muso pediatra Dr González nunca mais vai dizer que o bebê tá com "cólica"! 


Você recém-mãe, eu te entendo! Vai passar, confia!
Não caia nessa de não confiar em você, você tem leite sim! É normal sim! Não é cólica não! Bebês choram sim, mas você pode acalmá-los, se tiver nervosa entregue-o para o companheiro ou apenas ponha-o sobre a cama e mesmo ao lado dele se permita chorar, se permita fechar os olhos e respirar FUNDO 15 segundos, oxigena o cérebro e você vai se sentir muuuuito melhor! Não transe contra a sua vontade! Tenha um sling! Leia os livros e/ou textos do Dr González, há vários deles na internet (tem um aqui)! Saia passear! Aprenda sobre os barulhos uníssonos! Durma com seu bebê! Amamente-o em livre demanda! Esqueça o relógio! Esqueça a bagunça da casa! 
Sim, todas passam por isso! 
Bebês dão um trabalho do cão, eles não possuem modo de instrução, mas você pode usar de um grande e eficiente artifício: sua confiança e o amor! 





segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Manha? Toda criança faz, inclusive as francesas!


Eu recebi várias  vezes durante a gravidez e ainda hoje a indicação do livro escrito por uma amerciana que mora na França e escreve sobre a suposta boa educação (autoritária) das crianças francesas. Você deve saber muito bem de que livro estou falando né ? Eu sempre o via nas prateleiras das livrarias, ainda no Brasil e jamais tive a curiosidade de ler porque imaginava de certa forma do que se tratava e nessa época não me interessava tanto assim pelo simples fato de não pensar em ter filhos. Pois bem, aí  o Rudá resolveu que iria chegar e eu mergulhei nessa onda da maternidade e parentalidade de um modo geral. O título  me veio novamente a cabeça, mas ainda assim não me interessava ; agora eu vivia com um (pseudo)francês e por vezes tocávamos nesse assunto educação, parentalidade mas sem muita pressa, afinal nosso Rudá estava apenas se desenvovlendo dentro de mim. 
  
No dia seguinte ao nascimento do Rudá recebi um telefonema de uma colega que estava partindo da França e gostaria de me deixar um presente. Adivinhem : o próprio: "Crianças francesas não fazem manha" ! E então, como já  havia passado todas as 40 semanas da gestação num intensivo estudo de busca pela melhor forma de acolhimento e vivência  com o mais novo membro da família, decidi que era hora de ler esse livro e me fortalecer em minhas convicções. E eu realmente não me surpreendi, esse livro tratava mesmo da forma severa e autoritária de educar e se relacionar. E não é  somente porque eu vivo na França que eu tenho essa opinião, eu também vivi uma educação severa e autoritária aonde ter medo era confundido com respeito. 
Vi que muitas mães, sobretudo brasileiras, veneraram esse livro e pensam que os europeus, mais precisamente franceses são pais extraordinariamente fantásticos e evoluídos. Enganam-se ! Toda criança faz manha, inclusive as francesas; não há mágica nessas famílias. Toda criança faz manha sim, aqui e em qualquer lugar. Todos passamos por isso, e todos temos essa tendência a olhar para o lado e se comparar, achar que o outro é capaz de gerenciar os problemas de forma mais fácil e melhor que nós. A verdade e que ser pai e mãe é  uma construção de cada dia e não é  fácil. 
E eu sou uma prova viva de que podemos mudar padrões. Eu apanhava quando criança. Eu prefiro pensar que o fato de hoje eu não ser uma delinquente ou ter chegado aonde cheguei é pura e simplesmente por causa do amor que me era dado paralelamente à educação severa a qual fui criada. E isso me dá  hoje a oportunidade de reprovar o famoso "bater para educar" e não querer naturalizar e perpetuar essas práticas. 
Eu deixo então pra vocês uma dica de leitura super interessante da da psicoterapeuta francesa Isabelle Filliozat, criadora da Escola de Inteligência Emocional e Relacional, ela defende a tese de que toda criança faz pirraça e que este, na verdade, é seu modo de se expressar em seu livro “Já tentei de tudo” (Sextante) e ensina como lidar com birras, manhas e ataques de raiva de crianças de 1 a 5 anos.



sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Celebrando a SMAM 2015 - Capítulo 5


Nessa Semana Mundial da Amamentação, trazemos uma série de textos escritos pelo pediatra Daniel Becker, médico pediatra com experiência de 20 anos de consultório privado no Rio de Janeiro. Formado pela Universidade Federal de Rio de Janeiro, especialista em Homeopatia e mestre em Saúde Pública, na área de Promoção da Saúde. Médico do Instituto de Pediatria da UFRJ. 
Voce pode ter acesso a ele a partir de seu site www.pediatriaintegral.com.br 
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O 5o e ultimo capítulo da nossa saga. Da metade para o final você pode se surpreender...

Mães e bebês: quem somos, e o que precisamos?

Diante de tantos obstáculos – históricos, culturais, mercadológicos, médicos, familiares – a pergunta que fizemos ao abrir este libreto sobre amamentação parece se inverter. Em vez de “porque não é tão fácil amamentar?”, parece que devemos perguntar “como é possível amamentar diante de tantas dificuldades?”.
A biologia humana (e antes dela, a da vida vegetal e animal) é dirigida para a sobrevivência e a reprodução. Alimentar um filho com seu próprio leite é um instinto básico, muito profundamente gravado na alma da mulher – afinal, quando não éramos modernos, nenhum bebê sobrevivia a não ser amamentado. Mas em nossos tempos, a cultura – a palavra que sintetiza todos os fatores mencionados nos capítulos anteriores – pode superar mesmo os mandatos biológicos mais profundos. O “Crescei-vos e Multiplicai-vos” bíblico nada mais é do que a tradução em palavras dos instintos básicos da vida – sobreviver e reproduzir-se – na boca de Deus, representando a natureza. Em nossos tempos, outros mandatos – agora da cultura – ocupam estes espaços. Comprai-vos, diverti-vos, emagrecei-vos, trabalhai-vos obsessivamente, não dormi-vos, medicai-vos e assim por diante. E os mandatos biológicos como amamentar se “desconectam”, ficam esquecidos – perdemos mesmo as habilidades naturais que recebemos para exercitá-los.
Mesmo biologicamente, uma mulher não é igual a outra. Nenhum indivíduo é igual a outro. Todos temos habilidades e dificuldades inatas. Uns nascem com talento para jogar futebol, cantar ou escrever. Outros são um desastre. Uns são dos números, outros das ciências humanas. Uns tem olhos verdes, outros castanhos. Uns tímidos, outros extrovertidos.
Algumas mulheres nascem sabendo amamentar. Tem um bico do seio bacana, um bom fluxo, produção na medida pra o bebê, pele resistente que não fissura, não dói, sabem encaixar o bebê no seio, sabem intuitivamente a pega e o jeito, dormem bem, se concentram, não se cansam, bebem muita água, não se deprimem…
Outras: tem bico plano, invertido, dolorido, têm dificuldades para colocar o bebê no peito, se sentem desajeitadas para segurar o bebê, tem pouco fluxo inicial, “empedram” logo, tem apojadura dolorosa, fazem mastites, não bebem o suficiente porque tem pouca sede, são dispersivas, ansiosas, não conseguem dormir, ficam muito cansadas…
E os bebês? A mesma história: tem os que nascem sabendo mamar. “Encaixam” no seio de primeira, tem boa pega, boa sucção, são despertos e mamam com eficácia, não demoram demais nem de menos, dormem bem e não mais que o suficiente, são tranqüilos, ganham peso, não tem cólicas nem refluxo…
E os outros: não abrem bem a boca, não tem boa pega, sugam só o bico (e machucam o seio), dormem demais, dormem de menos, tem cólicas ou refluxos, mamam tempo demais, adormecem no seio antes da hora, são dispersos, são agitados demais, invertem dia e noite, choram o tempo todo, querem fazer o seio de chupeta…
Todas estas possibilidades, e muitas outras, estão presentes na potencialidade de cada binômio mãe-bebê. É impossível prever como vai se dar a relação fundamental de cuidado entre mãe e filha/filho. Só depois do nascimento isso começa a se delinear. O que é dado é um campo de possibilidades, onde mãe e filho vão se posicionar a cada momento.
Uma mãe com “talento” inato para amamentar e um bebê que nasceu para sugar não vão ter problema nenhum. A vida é boa. Outras mães com facilidade terão bebês difíceis, e bebês com dificuldades terão mães jeitosas. Nestes casos, muitas vezes precisarão de ajuda.
Finalmente, uma mãe com variados graus de dificuldades pode ter um bebê complicado. O cenário aí é explosivo. Essa mulher e seu filho vão certamente precisar de ajuda. E essa ajuda, como começamos a explicar no capitulo anterior, deve vir de forma muito especial: com apoio, com carinho, com cuidado, com empatia. O papel do pai (o “elétron”) é crucial. Assim como o dos avós, amigos, pediatra.
Mas uma situação mais difícil precisa de ajuda especializada. A boa notícia é que por aqui, no Brasil, temos o privilegio de contar com profissionais e instituições de primeira linha na área do apoio à amamentação. Um grupo cada vez maior de profissionais – quase sempre mulheres – professoras de cursos de gestação e cuidados do bebê, psicólogas, enfermeiras, fonoaudiólogas, pediatras – são capazes de intervir como consultoras de amamentação, e de forma muito prática, cuidadosa, presente, carinhosa, ajudar uma mulher a vencer as dificuldades e angústias e conseguir amamentar seu bebê em paz de espírito e saúde.
No Brasil ainda temos o privilégio de contar com uma rede de Bancos de Leite, instituições públicas que em 2012 fizeram mais que 2 milhões de atendimentos em todos os estados brasileiros. Os bancos recebem doações de leite humano, processam e distribuem para hospitais e UTIs infantis. E muito especialmente, atendem mulheres com dificuldades de amamentar e o fazem com ótima qualidade em geral. Um recurso incrível e um dos melhores serviços do SUS – do qual podemos todos nos orgulhar.
É preciso, antes de terminarmos esse texto, um parênteses de respeito às mulheres que não amamentam. Muitas não conseguem, por uma infinidade de motivos, dificuldades, acidentes de percurso, doenças. Isso não as torna incompetentes, muito pelo contrário – muitas vezes foram heróicas em seus esforços. Para elas e seus bebês, o leite em pó é um recurso necessário, e felizmente, tecnicamente bem desenvolvido nos dias de hoje. Uma minoria de mulheres não quer amamentar – também por diferentes motivos e questões. A nós, profissionais e amigos, cabe conversar, orientar e demonstrar que amamentar seria melhor para ela e para seu filho, mas jamais criminalizá-las. Ao final, nos cabe respeitar sua opção. Se não podem ou não querem oferecer leite materno, oferecerão amor – um alimento ainda mais indispensável. E seus bebês crescerão saudáveis e em paz.
Pra terminar: otimismo
O Brasil é uma das nações mais engajadas na prática da amamentação. Nossos índices são comparativamente muito bons: em 2008, mais de 51% e nossos bebês de 4 meses eram amamentados exclusivamente ao seio – contra apenas 35% em 1999. Isso significa que estamos conseguindo aumentar muito significativamente nossa proporção de mães que amamentam. Em países miseráveis da África e da Ásia, as taxas chegam a índices trágicos de menos de 10% (justamente onde as crianças mais precisam do leite materno); na Hungria e na Suécia, chega a mais de 60%; Canadá e Japão estão abaixo do Brasil, com cerca de 40%.
Nossa cultura de amamentação, apesar de todos os problemas, é um motivo de orgulho para nós. Aqui uma mulher, na maioria das vezes, não se envergonha de amamentar em público, nem é comum ser reprimida por isso (como acontece freqüentemente nos EUA). A grande maioria das mães quer amamentar, e suas famílias ficam orgulhosas e as apóiam. E a maioria de nossos profissionais de saúde e suas instituições, apesar das mazelas e dificuldades, apóia, defende e orienta a amamentação.
Acima de tudo: nossas mulheres conseguem vencer na grande maioria das vezes o desafio de amamentar. Apesar das cesáreas, dos berçários, dos maus profissionais; apesar das latinhas, mamadeiras e das indústrias; apesar dos palpiteiros bem intencionados, da vida profissional invasiva, da pressão de múltiplas tarefas. Nesses tempos de isolamento, hiper-demanda, distração e enormes angústias, elas vão em frente, com coragem e peito aberto – literalmente – e oferecem a seus filhos o melhor alimento que a natureza criou.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Celebrando a Semana Mundial do Aleitamento Materno 2015 - Capítulo IV



Nessa Semana Mundial da Amamentação, trazemos uma série de textos escritos pelo pediatra Daniel Becker, médico pediatra com experiência de 20 anos de consultório privado no Rio de Janeiro. Formado pela Universidade Federal de Rio de Janeiro, especialista em Homeopatia e mestre em Saúde Pública, na área de Promoção da Saúde. Médico do Instituto de Pediatria da UFRJ. 
Voce pode ter acesso a ele a partir de seu site www.pediatriaintegral.com.br 
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Um dos posts mais populares do blog "Pediatria Integral" o quarto capítulo da saga Amamentação no Século XXI:
A Armadilha da Mulher Maravilha
- Nasce um bebê no Xingu. Todas as mulheres da oca se mobilizam. A mãe está cercada de cuidados e apoio.
- Nasce um bebê no sertão das Minas Gerais. A avó, a bisavó, as tias, a prima cercam a mãe de cuidados.
- Nasce um bebê numa aldeia africana. Numa tribo em Maui. Numa cidadezinha no interior da Tailândia ou da Polônia ou da Inglaterra – a cena se repete. Na favela da Zona Norte as vizinhas e a tia que mora na laje de cima se encarregam de ajudar. E nas mansões dos jardins? Não são mais a avó e as vizinhas, mas as duas babás, a enfermeira, a faxineira, o motorista e o segurança.
Nasce um bebê em Copacabana, no apartamento 1104. A avó está trabalhando em tempo integral. O pai só tem cinco dias de licença. A vizinha do 1103 não só não ajuda, como sequer conhece, e ainda reclama do choro noturno. E a empregada diz que só ganha pra cuidar da casa. Ajudar à noite, nem pensar.
E aí temos esse fascinante fenômeno social: a única mulher do planeta que é deixada pra cuidar de um bebê sem nenhuma ajuda é a da classe media, urbana, ocidental. Pior: ela achava que ia conseguir…
Mas essa onipotência (culturalmente induzida, claro – e muitas vezes socialmente exigida…) só dura até o 5o dia, quando muito. Na segunda semana a mulher percebe que um bebê demanda demais. Precisa de atenção 24 horas, permanente. Que os intervalos do sono não são suficientes para que ela viva: descanse, almoce, tome um banho, respire, olhe pela janela, durma meia hora, atenda ao telefone, responda um email. E os cuidados muitas vezes exigem duas pessoas. Sem ajuda, é virtualmente impossível. A amamentação facilita e muito o cuidado, já que não é preciso tratar de mamadeiras, latas, esterilizadores e bicos. Mas é preciso tempo e descanso para produzir leite. É o clássico bordão, muitas vezes ignorado: um bebê só ficará bem se sua mãe estiver bem. Em alguns momentos, é crucial que a mãe volte a ser mulher – um individuo separado de sua filha, que precisa descansar, se cuidar, relaxar, pensar em outras coisas. Ela precisa desses momentos como o bebê precisa do seu leite.
Por isso, é preciso que tenhamos menos onipotência, e que reconheçamos que vamos sim precisar de ajuda. Para isso, é necessário planejamento: quem vai ajudar, como, quando. O pai vai segurar a onda nas noites? Até quando? A avó pode mesmo ajudar? E os conflitos que tantas vezes surgem nesse momento? Uma coisa é apoiar, acolher; outra, se intrometer ou criticar – fronteira sutil e muitas vezes rompida de forma inconsciente e perversa. A empregada vai cuidar de casa? Vai ter comida pronta? O patrão vai respeitar e não ligar para falar de trabalho?
Nos dias de hoje, a situação se complica ainda mais. Em nossos tempos hiper-conectados, de distrações múltiplas e permanentes e com enorme apelo, é dificílimo estarmos concentrados em uma tarefa. Muitas vezes a futura mãe se ilude e acha que vai amamentar, trocar fraldas, ver a novela, passar email de trabalho, estudar para o concurso e postar no Facebook, ao mesmo tempo, já nos primeiros dias de vida do recém nascido.
E como se a situação em si já não fosse complicada o suficiente, aparecem outros obstáculos: o marido quer ensinar a colocar o bebê no seio (com a melhor das intenções), dizendo que ela está fazendo errado; a mãe (avó do bebê) diz “mas o que custa dar uma mamadeirinha, ela chora tanto”; as amigas dizendo que pra elas foi muito simples, que fizeram assim ou assado e que você está fazendo tudo errado; a prima exibicionista cujo bebê dorme bem, mama bem e “não dá nenhum trabalho”…. e a sociedade toda dizendo que se você não consegue amamentar seu bebê e cuidar dele integralmente, é porque não tem competência.
Reproduzo aqui um depoimento da Chris Nicklas em seu site “Amamentar é” que descreve essa situação de forma muito concreta e emocionante:
“Tantas pessoas entraram na minha casa com a intenção de ajudar! Nossa, nem sei dizer… Quantas realmente me ajudaram? Conto nos dedos!
Qual será o problema? Por que é tão difícil se abrir para enxergar o que o outro precisa?
Me recordo de uma situação em específico. Eu com o mamilo esquerdo inflamado sofrendo por ainda sentir dores no aleitamento materno, apesar dos meus filhos já estarem com três meses. As pessoas passando por mim dizendo barbaridades do tipo:
- É assim mesmo, vai calejar…
- Dê a mamadeira! Olha o que você está fazendo com você mesma, pra quê?
- Dê o peito assim mesmo! Não pode estar doendo tanto assim!
As horas passando e o meu desespero aumentando. Minha consulta médica já estava marcada. Mal eu sabia que estava com sapinho e por isso voltava a ser dolorido amamentar. Meu estado emocional não me permitia enxergar um palmo na frente do nariz!
Muito bem, numa certa altura chega minha sogra em casa. Me olha e fica devastada com o meu estado. Minha cara era de puro desconsolo. De repente ela me lança a seguinte pergunta:
- Minha filha, o que você precisa? Me diga o que fazer para te ajudar…
Meus olhos se encheram de lágrimas. Uma pergunta tão simples e tão rara de se ouvir.
Ficamos ali nos olhando, enquanto meu coração transbordava de tantos sentimentos e emoções.
O que a mulher precisa no momento da amamentação é apoio de verdade. Apoio aberto, honesto e atento. Ela não precisa de crítica, ensinamentos verticais, lições de moral ou prescrições autoritárias. Muito menos de conselhos sobre mamadeiras. Ela precisa de espaço psíquico, tempo e um mínimo de estrutura para se dedicar ao bebê. E de apoio técnico, prático, de que falaremos mais adiante.
Aliás, esse é um importante papel que o pai pode exercer nesse momento da vida familiar, o nascimento de um filho. Tão ou mais importante quanto trocar fraldas, ninar e dar banho, é garantir que o binômio mãe-bebê vai ter paz e tranqüilidade para se conhecer, se conectar, evoluir em direção a um bom desenvolvimento e a uma amamentação bacana. Para isso, cuidar da casa, e garantir que esteja em ordem; comida na geladeira e contas em dia; atender o telefone e dar conta dos palpiteiros; receber as visitas e oferecer as desculpas pois a mamãe agora está descansando… e estar atento às necessidades da sua mulher.
Gosto de comparar a família neste momento do ciclo vital com o átomo: no núcleo central, mãe e bebê recém nascido – próton e nêutron – numa relação de simbiose e magnetismo. Em torno deles, o elétron, não diretamente envolvido na troca nutritiva mas fundamental no equilíbrio de energias, nas trocas afetivas, no cuidado com a família.
No próximo e último capítulo: o campo de possibilidades – tudo pode acontecer entre uma mãe e seu bebê. Reconhecendo sua posição é possível encontrar a ajuda apropriada. E a gama de possibilidades de apoio à lactante no Brasil é das melhores do mundo.

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quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Semana Aleitamento Materno 2015 - Capítulo III




Nessa Semana Mundial da Amamentação, trazemos uma série de textos escritos pelo pediatra Daniel Becker, médico pediatra com experiência de 20 anos de consultório privado no Rio de Janeiro. Formado pela Universidade Federal de Rio de Janeiro, especialista em Homeopatia e mestre em Saúde Pública, na área de Promoção da Saúde. Médico do Instituto de Pediatria da UFRJ. 
Voce pode ter acesso a ele a partir de seu site www.pediatriaintegral.com.br 

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O terceiro texto da saga da amamentação. Explica melhor os mecanismos pelos quais a industria médico-hospitalar (especialmente a obstétrica) se interpõe entre mães e bebês interferindo na amamentação. E como buscar alternativas...
A Maternidade Mal Assombrada
O terceiro capítulo de nossa saga: agora o império hospitalar.
Uma outra causa frequente da dificuldade de amamentar é o excesso de cesáreas, do qual tanto falamos aqui no Pediatria Integral: um crime contra o qual a mulher e a sociedade brasileira finalmente começam a reagir. Na verdade já falamos em cultura da cesárea, já que – do mesmo modo que na cultura do leite em pó – as mulheres foram envolvidas pelos mitos criados pela obstetrícia e hoje em dia muitas pedem para marcar sua cesárea acreditando que ela é melhor. Sequer esperam pelo sinal de que seu filho está pronto para nascer: em vez de esperar o trabalho de parto, cesáreas são marcadas por conveniência, com base em dados de ultrassonografia ou idade gestacional muitas vezes falhos, sujeitos a grandes erros – e haja vaga para prematuros nas UTIs. Promessas de parto natural não cumpridas, equipes que constrangem mulheres em trabalho de parto um pouco mais prolongado a concordarem com a cesárea, não aceitação de acompanhantes…. são muitas histórias, algumas aterradoras.
As alegações se transformam em crenças, crenças em verdades absolutas: parto normal é perigoso, não podemos esperar o trabalho de parto, dói demais, algo terrível pode acontecer se o bebê começa a sair, já tem 40 semanas, podemos não encontrar vaga (e você vai parir na rua?), podemos ficar presos no trânsito, o bebê pode ter uma circular, não está descendo, não está dilatando, dói demais, você já fez cesárea antes e não pode mais ter parto normal, pode romper o útero, o períneo, ficar larga demais… Um monte de mentiras que adquirem valor de verdade depois de repetidas milhares de vezes. Cria-se uma cultura onde o parto normal é algo a ser temido, perigoso.
O fato é que no setor privado, no Rio de janeiro, 93 % dos partos são cesáreos (contra 15 a 20% em países “normais” como França, Holanda, Dinamarca, etc). Uma grande cirurgia, que deixa a mulher muitas vezes com mais dificuldade de amamentar: retarda o leite, tem resíduos anestésicos, trauma cirúrgico, dor, complicações desnecessárias, remédios desnecessários. A mulher em pós trauma cirúrgico, dolorida por cortes profundos em seu corpo, anestesiada e cheia de remédios circulando em seu organismo tem em geral menos condições físicas e emocionais para iniciar a amamentação. E a cesárea muitas vezes envolve um bebê arrancado do útero cedo demais, antes do trabalho de parto natural, e que acaba numa UTI, ou com dificuldades de sugar. Além de outras desvantagens já bem documentadas para a mãe e o bebê.
Mesmo o parto normal é medicalizado: na pressa gerada pela conveniência de médicos e hospitais, o uso de ocitocina é frequente, e pode gerar complicações para o feto: assim como a posição deitada, que comprime as artérias, a falta de acompanhante. As complicações do parto normal estão na maioria das vezes ligadas a procedimentos inadequados que são feitos contra trabalhos científicos, apenas por “tradição ou conveniência”. Sem falar na ocorrência comum da violência obstétrica, sofrida por 25% das parturientes n Brasil. Leia sobre o tema.
Na maternidade, seja no parto normal ou cesárea, é comum o bebê ser afastado da família, ser colocado numa gaiola de vidro por 2 hs. (não tem sentido, a não ser em casos muito específicos), ser levado para o berçário e só vir à mãe horas depois. Muitas vezes chora no berçário e acaba ganhando uma mamadeira de presente de auxiliares de enfermagem ávidas de paz e silêncio. Nas primeiras 24-48 horas o seio produz colostro, que flui devagar, em pequenas quantidades mas é extremamente rico em nutrientes e defesas. Como o fluxo é lento, o bebê suga o tempo todo. E não é que aparece alguém para dizer “olha aí, ela não sai do peito, deve estar com fome… vamos dar uma mamadeirinha?”. Foi-se a confiança, foi-se colostro, começa a confusão de bico e um ciclo vicioso se instala, que tantas vezes termina no desmame.
Alguns antídotos: acredite em você, no seu leite. Sim, você pode – com o devido apoio. Verifique ao menos se seu obstetra faz partos normais – muitos deles hoje em dia simplesmente só fazem cesáreas (lembrando – o parto cirúrgico existe para salvar vidas e evitar complicações em situações de alto risco, não para ser um procedimento padrão a priori). Converse com o pediatra do parto no pré-natal, pergunte a ele sobre amamentação, e de que forma ele pode ajudar você a amamentar. Se ele parecer não dar muita importância à questão… pense em mudar.
E muito importante: sempre que precisar, procure instituições, grupos ou profissionais especializados no apoio à amamentação.
No próximo capitulo: a vida moderna e as dificuldades para amamentar. A solidão e o sufoco. A arrogância da nossa civilização e as dificuldades da mulher nos cuidados com o bebê. A teoria do campo de possibilidades: tudo pode acontecer entre uma mãe e seu bebê; o importante é poder se situar, e encontrar a ajuda apropriada.

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terça-feira, 4 de agosto de 2015

Semana Mundial da Amamentação 2015 - Capítulo II


Nessa Semana Mundial da Amamentação, trazemos uma série de textos escritos pelo pediatra Daniel Becker, médico pediatra com experiência de 20 anos de consultório privado no Rio de Janeiro. Formado pela Universidade Federal de Rio de Janeiro, especialista em Homeopatia e mestre em Saúde Pública, na área de Promoção da Saúde. Médico do Instituto de Pediatria da UFRJ. 
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Capítulo II da saga: importante para você entender a relação da indústria com a medicina, e como isso faz dos médicos uma causa importante de desmame precoce no Brasil.

Amamentação no Século XXI
A Rendição dos Médicos
No final do último capitulo, contamos como as empresas fabricantes de leite em pó mudaram suas estratégias: em vez de vender formulas para as mães, venderiam para os pediatras.
(Um adendo ao texto, hoje: as empresas de leite em pó fazem SIM propaganda ao consumidor, velada sob a forma como elaboram suas embalagens e em especial os nomes utilizados: Pro, Expert, Premium, e Supreme. Enquanto isso, o leite materno não é "supreme" nem "pro" - é amador. Vem com muito amor e é infinitamente superior às fórmulas em qualquer aspecto.)
A idéia era conquistar a simpatia desses profissionais com tanta autoridade no que se refere à saúde da criança, e capazes de recomendar as suas fórmulas mesmo diante das evidências crescentes de que o leite materno era o alimento ideal para o bebê.

A Nestlé foi a mais agressiva nesta estratégia. Em nosso pais, ela conseguiu dominar inteiramente a Sociedade Brasileira de Pediatria. É uma situação muito curiosa: o discurso da sociedade é fortemente favorável ao leite materno, com recomendações de amamentação exclusiva até os 6 meses, comitês e documentos, bandeiras pró amamentação com a da licença de seis meses para as mulheres, etc. Por outro lado, quase todos os documentos, manuais, avisos de congresso, circulares, cursos de atualização, enfim, qualquer publicação da SBP tem gravado o selo Nestlé. A maioria das atividades da SBP tem o patrocínio da Nestlé. Mais publicações e de aulas são realizadas sobre os melhores “substitutos do leite materno”, do que as que ensinam como apoiar efetivamente uma mulher que amamenta.
A Nestlé oferece um curso anual de atualização em pediatria, em parceria com a Sociedade, que é tão ou mais popular que os principais congressos. Aqui no Pediatria Integral, fiz uma reportagem sobre a impressionante infantilização dos pediatras nesta ocasião: adultos participando de joguinhos infantis e competições de perguntas sobre os produtos Nestlé para ganhar bichinhos de pelúcia e sorvetes, consumindo biscoitos e leitinhos, e pior, comendo papinhas de bebê servidas por chefs em travessas de prata. As cenas eram patéticas – vocês podem conferir as fotos aqui no PI. A grande mãe tratando bem seus bebês, e esperando em troca uma enorme gratidão e reconhecimento.

Além da Nestlé, outras empresas como a Danone, Mead Johnson e Abbot usam o mesmo expediente. EM congressos, videos e cartazes promovem as qualidades das fórmulas: melhor desenvolvimento psicomotor, saúde gastro-intestinal, redução de alergias, prevenção da obesidade, defesas imunológicas: exatamente as qualidades onde o leite materno é muito superior - mas ele não é citado, fazendo com que o pediatra associe, em sua memória, essas qualidades às fórmulas anunciadas. Todas as empresas fazem visitas constantes aos consultórios pediátricos oferecendo informações sobre seus muitos tipos de leite e suas inúmeras vantagens uns sobre os outros, todos tão “parecidos com o leite materno”. A amamentação é obviamente ignorada nessas visitas que muitas vezes incluem distribuição de brindes, convites para almoços em churrascarias e mesmo ofertas de visitas às sedes no exterior ou viagens com despesas pagas a congressos.
Essa estratégia comercial segue o principio sócio-comportamental da “reciprocidade”. Quando alguém lhe oferece presentes, graças e gentilezas, você se sente em dívida com quem fez o gesto; cria-se uma simpatia difícil de resistir. Devolver as gentilezas é quase inevitável. É claro que este não é o único motivo, mas este é certamente um dos fatores que explicam tantas prescrições de leite em pó, mesmo ainda na maternidade. Uma estratégia cruel da indústria, mas extremamente e inteligente eficaz para vender os seus produtos e sabotar a amamentação. Da mesma forma que a imagem do leite em pó como sendo “mais forte” minava a confiança das mulheres em seu leite, também a prescrição apressada ou descuidada de complementos (“se você achar que tem pouco leite”, “se ela estiver com muita fome”… “uma mamadeira caso você precise”…) é um fator claro e freqüente para que a mulher deixe de amamentar. Se em vez da mamadeira de leite artificial que mina a confiança da mulher, oferecermos informação, apoio e o carinho e técnica de instituições e profissionais especializados no apoio à amamentação, o quadro certamente será outro.
Portanto vemos aqui, de saída, duas razões importantes para a dificuldade de amamentar percebida por tantas mulheres: a cultura do leite em pó, que persiste até hoje, nos fazendo duvidar da qualidade e da força do leite materno como suficiente para alimentar um bebê; e a facilidade com que alguns pediatras prescrevem o leite em pó, antes mesmo de surgir qualquer problema na mãe ou no bebê.
Há ainda um terceiro problema, ainda no terreno da medicina – ou, melhor dizendo, da má medicina. Veremos isso no próximo capítulo.

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segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Celebrando a Semana Mundial da Amamentação - 2015




Nessa Semana Mundial da Amamentação, trazemos uma série de textos escritos pelo pediatra Daniel Becker, médico pediatra com experiência de 20 anos de consultório privado no Rio de Janeiro. Formado pela Universidade Federal de Rio de Janeiro, especialista em Homeopatia e mestre em Saúde Pública, na área de Promoção da Saúde. Médico do Instituto de Pediatria da UFRJ. 
Voce poe ter acesso a ele a partir de seu site www.pediatriaintegral.com.br 

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Celebrando a Semana Mundial da Amamentação, que começa hoje, vamos republicar os textos que escrevi sobre o tema há exatamente dois anos atrás. São cinco capítulos da "Saga", um por dia.
Amamentação no Século XXI: a saga em cinco capítulos
29.07.2013
Inspirado por novos estudos que demonstram a superioridade do leite materno e a sua importância para a saúde do bebê e da mãe, e mesmo da sociedade (o último, publicado na respeitada revista BMJ, demonstra que amamentar facilita a ascensão social...!) – e por minha amiga e parceira Chris Nicklas, que pilota um site sobre amamentação (www.amamentareh.com.br), vou publicar aqui um texto onde discuto porque amamentar se tornou difícil para muitas mulheres, numa visão mais ampla e reflexiva que a habitual. Uma conversa que vai desde os muitos fatores (muitos deles “confidenciais”) que influenciam o desejo e a possibilidade de amamentar, até os pequenos segredos que ajudam no dia a dia com o bebê.
Amamentação no Século XXI
Capitulo I
O Massacre das Mulheres
Amamentar: tão natural, tão importante. Tão bom para o bebê, tão bom para a mãe. E tão aparentemente simples.
E todos/todas sabemos: não é. Olhamos para nosso filho, um bebê pequeno e frágil, e uma angústia do tamanho do mundo desaba sobre nossos ombros: vou ser capaz? Vou ter leite bastante para meu filho? Ele vai sobreviver e crescer só mamando o seio, será?
E por que é assim? Por que não é fácil e natural? Para entender nossas dificuldades e angústias, é preciso – sempre, aliás – ir além do nosso próprio casulo, nossa família e nosso tempo, e ampliar o olhar para o contexto cultural e histórico em que estamos inseridos. O tema é longo e complexo, por isso vamos escrever em capítulos. Nesta era da internet, vamos ver quem consegue ir até o final… O tema é também bacana e relevante, por isso talvez valha a pena.


No final do século 19 o aleitamento materno perdia prestígio entre a burguesia. Era considerado uma prática de mulheres pobres. Continuou em declínio nas primeiras décadas do século 20, quando começa a comercialização do leite em pó adaptado para bebês. Sem dúvida, na época, um grande avanço científico – a salvação para bebês que não podiam ser amamentados por morte ou doença da mãe.
Mas à medida que as vendas avançavam, a ganância da indústria aumenta: ela percebe que o grande lucro virá quando todas as crianças usarem suas fórmulas, não apenas as que precisavam por algum motivo. E começa a construção da cultura do leite em pó: disseminando a idéia de que o leite materno é fraco, ruim, insuficiente para um bebê realmente forte e saudável (lembrem da imagem do bebê gorducho, ícone de saúde na época). Bom mesmo era o leite em pó para bebês, essa maravilha da ciência. No pós guerra as vendas explodem e a geração baby-boomer (nascidos no pós-guerra) dos EUA e outros países pouco conheceu o leite materno. Nos anos 60, mais de 70% dos bebês americanos recebiam fórmulas, graças a agressivas campanhas de distribuição de leite em pó nas maternidades e ao contínuo esforço de propaganda para desacreditar o leite materno. A maioria das mulheres desta geração acreditava completa e acriticamente que o leite em pó era melhor que o materno.
Vejam que estamos falando de uma modificação cultural tão profunda que provoca a alteração de um comportamento biológico inato e tão primário quanto alimentar seu próprio filho (algo que denomina nossa classe científica: mamíferos). Uma incrível vitória dos interesses da indústria e do capitalismo sobre a natureza.
A partir dos anos 60 e do advento da pílula, o número de nascimentos começa a cair nos países desenvolvidos e o movimento feminista levanta a bandeira da autonomia e dos direitos da mulher – inclusive o direito de amamentar seus filhos, de poder sustentá-los sem a ajuda de leite de outros animais. As indústrias – Nestlé, Mead Johnson e outras – partem para uma agressiva campanha de vendas nos países em desenvolvimento, na época miseráveis em sua maioria, com altas taxas de fertilidade. Distribuíam mamadeiras e amostras de leite gratuitas em maternidades, sempre lembrando às mães que leite materno não era “forte” o bastante.
Só que, neste contexto social, as coisas eram um pouco diferentes. Chegando em casa, os bebês sugavam as mamadeiras e começavam a fazer a previsível “confusão de bico” – uma dificuldade de sugar o seio quando se oferece mamadeira a um recém-nascido. Isso era confundido com uma recusa do seio (confirmando que o leite materno era ruim), e as mulheres ofereciam mais leite em pó. Só que a segunda lata não era gratuita – custava caro, e a tendência era diluir com mais água; e a água era suja e contaminada muitas vezes… e desta forma estima-se que milhões de crianças tenham morrido de diarréia e desnutrição. A Nestlé chegou a receber o apelido de baby-killer dos movimentos sociais pró-amamentação.
A partir da década de 70 começa a ressurgir o interesse na amamentação – do movimento feminista à ciência médica, cada vez mais se percebia o óbvio: o leite materno era o melhor alimento para o bebê. As vantagens eram demonstradas maciçamente por pesquisas. De início referiam-se à saúde na infância, mas depois estudos de longo prazo demonstravam benefícios para a saúde cardio-vascular, na prevenção do câncer, diabetes e obesidade, além de grandes vantagens no bem estar das mães que amamentavam.
Organizações da sociedade civil denunciam então as práticas perversas dos fabricantes de leite; um boicote contra a Nestlé começa em 1977 e se estende até hoje. A OMS cria em 1981 um código de comercialização para o leite em pó, proibindo a propaganda direta ao público, e exigindo que se colocasse um aviso nos produtos de que o leite materno era o melhor alimento para o bebê; e que as fórmulas deveriam ser prescritas apenas por profissionais de saúde.
As empresas mudam então suas estratégias de marketing: em vez de vender formulas para as mães, venderiam para os pediatras. A idéia era conquistar a simpatia desses profissionais com tanta autoridade no que se refere à saúde da criança, e capazes de recomendar as suas fórmulas mesmo diante das evidências crescentes de que o leite materno era o alimento ideal para o bebê.
Começa então uma saga (também muito impressionante e vitoriosa) que vai até nossos dias, e gera situações inacreditáveis, especialmente no Brasil. Mas isso é assunto para o próximo capítulo.

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